A Justiça da Inglaterra entendeu que comunidades quilombolas brasileiras podem acionar a Corte em busca de reparação por danos morais e ambientais causados por empresas britânicas. Uma sentença do tribunal proferida nesta sexta-feira 14, à qual CartaCapital teve acesso, abre caminho para a análise de ações movidas por mais de 100 quilombolas.
O caso envolve a queda de braço entre as comunidades Bocaína e Mocó, localizadas em Piatã (BA), na parte mais alta da Chapada Diamantina, e a mineradora Brazil Iron. Os povoados são vizinhos às minas de extração de ferro da empresa britânica, instaladas em 2011.
Desde a chegada do empreendimento, moradores denunciam os impactos socioambientais provocados pela atividade e, em setembro do ano passado, acionaram a Justiça da Inglaterra em busca de reparação, já que a sede da mineradora está em Londres. Os quilombolas contam com o apoio do escritório de advocacia Leigh Day.
Na ação, eles relataram que o som das dinamites utilizadas para extrair o minério de ferro passou a embalar o cotidiano da comunidade e que o impacto das bombas formou rachaduras nas casinhas de barro. A poeira levantada pela explosão das minas também provocou danos à sáude, argumentam. Há ainda queixas de que, ao desviar um córrego, a empresa teria privado os quilombolas do acesso a água.
Uma vistoria da Secretaria de Saúde da Bahia confirmou que, devido à mineração, as duas comunidades corriam risco de doenças físicas e mentais e que a água na área ficou imprópria para consumo humano. O Inema, órgão fiscalizador do governo baiano, constatou ao menos 15 infrações no empreendimento, cujas atividades foram suspensas em 2023.
À Justiça britânica, a Brazil Iron alegou que o foro mais apropriado para o caso seria um tribunal brasileiro. Os quilombolas argumentaram, contudo, que havia risco real de não serem capazes de obter representação legal e acesso à Justiça no Brasil.
O juiz concordou e decidiu que o caso deveria ser ouvido em um tribunal inglês. Em decisão anterior, ele havia proibido que representantes da mineradora mantivessem contato com os quilombolas. A determinação decorreu de relatos de intimidação para recuar no processo na Inglaterra.
“Lutamos por anos para que as reclamações contra a mina fossem tratadas localmente, sem sucesso. Estamos felizes que o direito de prosseguir com suas reivindicações na Inglaterra tenha prevalecido. É essencial que as empresas britânicas sejam responsabilizadas por danos ambientais causados por suas operações”, celebrou Richard Meeran, sócio da Leigh Day.