A ascensão da inteligência artificial promete um choque de proporções históricas no mercado de trabalho, sobretudo para os mais jovens. Se, de um lado, a tecnologia abre novas fronteiras de inovação, de outro ameaça reduzir justamente os postos de entrada — aqueles que costumam marcar o início da vida profissional em áreas como atendimento, telemarketing, tarefas administrativas e até programação básica.
Para uma geração que cresceu nas redes sociais cultivando a ideia de equilibrar carreira e qualidade de vida, a dúvida é cruel: será possível manter esse ideal diante da escassez de oportunidades?
Esse dilema está no centro da conversa entre o Fora da Faria e dois especialistas: Antonio Salvador, ex-vice-presidente de RH do Grupo Pão de Açúcar, e o pesquisador Alexandre Teixeira. Juntos, eles analisam como a popularização da IA pode desencadear uma “espiral do risco”: primeiro, desemprego; depois, retração de consumo; por fim, crises de mercado.
Confira a seguir.
Fora da Faria: A IA está entrando de forma agressiva no mercado. Uns dizem que vai criar oportunidades. Outros, que vai acabar com milhões de empregos, especialmente para os jovens. Teremos uma massa disputando vagas palmo a palmo?
Antonio Salvador: Andy Jassy, CEO da Amazon, que emprega mais de 1,5 milhão de funcionários no mundo, já declarou que a inteligência artificial vai, sim, encolher equipes. Jim Farley, CEO da Ford, que emprega mais de 170 mil pessoas, foi ainda mais direto: acredita que metade dos trabalhadores administrativos nos EUA pode perder seus empregos para a IA nos próximos anos. E eles não estão sozinhos. Segundo o World Economic Forum, 41% das empresas planejam reduzir equipes nos próximos cinco anos com o avanço da IA.
Alexandre Teixeira: Essa é uma das grandes questões do nosso tempo, e não tem resposta simples. De um lado, a IA pode eliminar funções rotineiras e repetitivas, que hoje empregam muitos jovens em início de carreira (atendimento, telemarketing, tarefas administrativas básicas, programação de baixo nível, etc.). Isso pode, sim, gerar uma pressão enorme no mercado de trabalho, especialmente para quem está começando sem diferenciais de qualificação. Por outro lado, novas funções surgem: especialistas em IA, curadores de dados, designers de prompts, profissionais que saibam usar a tecnologia como alavanca em áreas tradicionais (marketing, RH, saúde, direito, engenharia, educação). A história mostra que revoluções tecnológicas sempre destroem alguns empregos e criam outros.
Manter jovens empregados é questão de sobrevivência
FF: Existe uma tendência de jovens buscarem uma relação entre trabalho e qualidade de vida. Na ausência de postos de trabalho, como eles tendem a reagir?
AS: Talvez a resposta esteja em redefinir segurança. Não mais estabilidade no cargo, mas adaptabilidade, relevância e capacidade de se reinventar. Talvez não seja uma escolha entre viver bem ou ter trabalho, mas aprender a construir um trabalho que sustente a vida que você quer viver, seja ela qual for.
AT: O que tende a acontecer em cenários assim é, primeiro, um ajuste de expectativas. Quando a oferta de vagas diminui, muitos jovens tendem a aceitar empregos menos alinhados ao ideal de qualidade de vida simplesmente para garantir renda. Isso já aconteceu em outras crises econômicas, em que o sonho do “trabalho ideal” deu lugar à urgência do “qualquer trabalho”. Muitos vão tentar criar alternativas fora do emprego tradicional: empreender em nichos digitais, trabalhar por projetos e usar IA como ferramenta de alavancagem individual.
FF: Uma massa de jovens desempregados tende a mudar comportamentos de consumo. Sem consumidores, o mercado quebra. O que acontecerá com produtos voltados a jovens?
AT: Sem renda, não há consumo; sem consumo, o mercado perde vitalidade. Se os jovens, principal grupo consumidor emergente, ficarem fora do mercado, o impacto será enorme. Produtos premium, moda, tecnologia, viagens: tudo depende de renda. Sem renda, o consumo migra para o básico, com explosão de modelos baratos. Do ponto de vista econômico, manter jovens empregados é questão de sobrevivência. Não é só inclusão social, é manter ligado o motor do consumo.