Nos últimos dias diversos  noticiários publicaram matérias que envolveram Toni Garrido (ex Cidade Negra) que ao mudar a letra de um dos seus grandes sucessos, “Girassol”, promoveu uma série de reflexões no meio cultural a fim de compreender sob o ponto de vista das lutas identitárias se a mudança da letra figuraria como uma submissão imperiosa da arte aos valores morais contemporâneos, que numa reedição anacrônica, em busca de adequar-se aos contextos sociais atuais provocariam um processo de revalidação conceitual das obras aos crivos “politicamente corretos”. No entanto, cumpre-me ressaltar em relação a arte, talvez o debate esteja ancorado na perspectiva econômica. 

De forma geral a arte pode ser compreendida como forma de expressão, manifestação, que cumpre a função social de dar vazão à vida que não cabe em si mesma, de questionar e transgredir a realidade e de oferecer outros elementos para reflexão filosófica.

Contudo, a arte também se tornou produto cultural comercial, e em última análise, um meio ou forma de produzir valor. E nesse último, consideremos que de alguma forma atender ao apelo do “politicamente correto” ou da pauta identitária, como podemos relacionar, é sobretudo uma forma de manter relevância num cenário de produção de arte consumível. Ou seja, que consiga disputar economicamente espaço entre outras produções artísticas que concorram entre si. De garantir subsistência a partir desse ativo econômico.

Ademais, questiono também, quantos outros artistas também recorreram a uma abordagem revisional estética, que não textual, para se adequar aos novos gostos, aos novos públicos, à nova crítica e principalmente ao novo modelo de consumo de arte, não apenas no Brasil, mas também no mundo. 

O que quero trazer para reflexão é que pode não ser tão somente uma sinalização de “me mantenho relevante e por isso, digno de poder ser consumido pelo público que me prestigia” mas também, um “eu preciso continuar a pagar minhas contas e viver dignamente a partir da arte que eu produzo.”

Numa sociedade capitalista, não há como desconsiderar a perspectiva econômica das relações, e de toda a produção realizada pelo homem. 

Afinal, quantos são os artistas negros, capazes de viver de uma única ou de uma reduzida producão artistica, sem que necessite produzir novas obras, ou reeditá-las aos novos conceitos, vivendo apenas de royalties ou do ECAD?

Pode não ter sido a melhor abordagem do querido Toni? Talvez. Pode não produzir os efeitos esperados? Talvez, Todavia, no bojo das especulações podemos tranquilamente supor que o desejo de ressignificar a obra,  dentro de um contexto social capitalista, é também o de se manter comercialmente competitivo, e de garantir algum fôlego financeiro, e se viu no debate identitário um instrumento de alavancagem viável. 

Se deu certo, logo saberemos, mas que Toni Garrido retornou aos holofotes das notícias, isso, é certo. 

Nilo Cerqueira é articulista do Portal SSA e escreve (eventualmente quando consegue) semanalmente aos domingos.

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