entre a tradição e a ousadia – CartaCapital

O Natal é tempo de celebração, mas também de escolhas sobre a mesa. A ceia brasileira é um mosaico: massas, peru, chester, tender, lombo, bacalhau, arroz com passas, farofa, saladas tropicais. Tentar harmonizar cada prato individualmente é receita para fracasso e desperdício. A estratégia mais sensata é escolher vinhos versáteis à mesa.

Os espumantes estão sempre presentes nesta época. Uma boa opção de começo de refeição é um espumante brut para aqueles que já passaram por um curso básico de vinhos ou um espumante doce para os mais lúdicos. O Brasil dispõe de um bom arsenal nos dois estilos. A acidez é o principal componente deles, dando vivacidade e frescor. As borbulhas podem dar a sensação de limpeza do palato. Gordura, sal e texturas não excessivamente oleosas ou cremosas são excelentes contrapontos para este tipo de vinho. Salgadinhos, frutas secas, saladas, maioneses ou frutos do mar escoltam espumantes, que ainda servem para o brinde inicial.

Entre os pratos que serão servidos à mesa, peru, chester e frango podem estar presentes. Estas aves costumam apresentar textura um tanto seca, sem contar com a farofa que reforça ainda mais esta característica. Para completar, às vezes aparece um molho com intrigante agridoce. A ideia é escolher vinhos novos e macios, tanto brancos quanto tintos, sem muita passagem por madeira. A juventude tem a fruta suficiente para combater alguma doçura, desde que não haja exageros. A maciez quebra a secura dos pratos. Para os tintos, é hora de pensar em merlots e malbecs do Novo Mundo, nas versões menos amadeiradas. Ou então um Pinot Noir mais elegante. 

Se o calor implicar a escolha de um branco, a teoria aponta para um vinho com a uva Chardonnay sem madeira ou com pouca presença dela, privilegiando o lado frutado. Um alvarinho português também é uma opção. Têm acidez para cortar a gordura, corpo para não desaparecer diante dos sabores intensos, e frescor para refrescar o paladar entre as garfadas. Se quiser ousar, um Riesling seco alemão é outra pedida com os contrastes doce-salgado típicos da nossa ceia. No caso de haver molhos ou temperos agridoces, o branco deve acompanhar esta doçura. Neste contexto, os alemães são a solução ideal. Conforme a categoria, Kabinett, Spätlese e até mesmo Auslese calibram com perfeição o açúcar desejado.

No capítulo das massas, o molho é um dos que ditam o vinho à mesa. Ragus com carne ou molhos ao sugo são boas pedidas para vinhos italianos. Molho ao sugo pode ser combinado com um chianti ou com um vinho feito com a uva Nero d’Avola, da Sicília. Para o molho mais substancioso de Carmela Soprano, uma sugestão é um Montepulciano d’Abruzzo ou um Etna rosso, que extrai um toque mineral do terroir próximo ao maior vulcão em atividade da Europa. 

Alguns anfitriões têm um plano B. Aquele vinho especial guardado para o momento em que a conversa esquenta, a mesa já foi recolhida e alguns convidados permanecem. Não precisa ser caríssimo, mas deve ser interessante — um tinto com alguma idade, um fortificado português, um doce para acompanhar a sobremesa. Esses momentos mais íntimos, pós-ceia, pedem vinhos que inspirem conversa. Um Porto ou mesmo um bom vinho de sobremesa brasileiro podem transformar o fim da noite em memória duradoura.

Nem todos à mesa serão conhecedores, e isso é ótimo. Evite vinhos excessivamente complexos ou “difíceis” — deixe as garrafas desafiadoras para jantares menores. Mais importante: beba o que te faz feliz. Se sua família tradicionalmente abre aquele vinho que tecnicamente não harmoniza com nada mas todos adoram, mantenha a tradição. As melhores harmonizações são aquelas temperadas com afeto e memórias.

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