A utilização de resíduos do processamento de mandioca pode reduzir drasticamente os custos da criação de bovinos no Brasil. Folhas, caules e o amido, na maior parte das vezes descartados, substituem alimentos como milho e soja e oferecem alternativa promissora de ganhos – tanto para quem produz o tubérculo quanto para criadores de gado.
O uso do alimento na alimentação de ruminantes, no entanto, é muito pouco explorado, principalmente por desconhecimento por parte do setor, diz o médico veterinário Jair Siqueira, que trabalha há 48 anos com nutrição animal e busca difundir o conhecimento entre a cadeia da mandiocultura e pecuaristas.
A apresentação da técnica foi uma das que mais atraiu atenções na última edição da Feira Internacional da Mandioca (Fiman), a principal do setor, realizada em Paranavaí (PR) no fim de novembro.
O evento, que contou com a participação de representantes de 26 estados brasileiros e 14 países, reuniu pesquisadores, produtores, empresários e industriais de toda a cadeia de produção do tubérculo e seus subprodutos.
Hoje, o alimento mais utilizado para fins energéticos na criação de bovinos confinados no Brasil é o milho, base da dieta de 98,3% das propriedades brasileiras, segundo o levantamento Confina Brasil 2025, elaborado pela Scot Consultoria e referente a dados dos últimos três anos. Em segundo lugar, aparece o sorgo, citado por 24,7% dos criadores ouvidos.
Na sequência vêm casquinha de soja (10,3%), polpa cítrica peletizada (7,5%) e aveia (1,7%). Subprodutos da mandioca entram na categoria “outros”, que inclui ainda polpa cítrica úmida, farelo de trigo, batata e coprodutos de arroz – todos estes somam 2,9% das propriedades.
Fibras também são providas principalmente por silagem de milho, utilizada em 51,1% das propriedades. Em seguida, aparece a silagem de capim, presente em 29,9% dos confinamentos visitados no estudo.
O bagaço de cana foi mencionado por 23,6% dos criadores, principalmente em regiões próximas a usinas sucroenergéticas. Outros dos produtos mais utilizados são silagem de sorgo (6,3%), silagem de cana (4,6%), silagem de milheto (2,3%) e palha de milho (2,3%).
Já as principais fontes de proteína utilizadas na nutrição de gado confinado são, respectivamente, DDG, subproduto do milho (48,3%); caroço de algodão (29,3%); farelo de soja (27,6%); torta de algodão (27%); farelo de amendoim (8%); farelo de algodão (5,2%) e WDG (3,4%), outro derivado do milho. Resíduos da produção de algodão e farelo de glúten de milho somam, juntos, 4%.
Ricos em proteína e fibras, folhas e caules de mandioca geralmente são descartados
“Infelizmente ainda se perde milhões de toneladas de resíduos de mandioca”, diz Siqueira. Ele explica que a maior parte do valor nutritivo do vegetal, em termos de proteínas, vitaminas, minerais e fibras, está na parte aérea da planta, geralmente descartada.
As folhas contam com 20% a 28% de proteína bruta, enquanto as manivas, como são chamados os caules do tubérculo, são ricas em carboidratos e fibras.
“A principal fibra da mandioca é a pectina, que, apesar de ser estrutural e fazer parte da parede celular da planta, é 100% digerível, muito mais do que a própria celulose. É onde está a riqueza em energia do caule”, conta.
“Quando somamos toda a parte aérea, as folhagens e os caules, temos um alimento quase, senão completo, para a alimentação de bovinos, ovinos e caprinos”, diz.
Em suas observações, Siqueira, que presta consultoria para criadouros de confinamento por meio da empresa Confitec, definiu um cronograma, segundo o qual o primeiro corte de folhas deve ser feito, em média, cinco meses após o plantio. “Nesse momento, a mandioca já vai ter bastante raiz, então a rebrota será bastante vigorosa. Aí em torno de 70 a 90 dias já é possível fazer o segundo corte”, diz.
Em um cultivo irrigado, conta, é possível fazer até oito cortes no mesmo pé em um período de dois anos. “Quando não há irrigação, vai depender da localidade, se chove mais ou menos, e da qualidade da terra, se é mais arenosa ou mais argilosa. Mas vai dar em torno de quatro a seis cortes.”
A técnica é válida tanto para a chamada mandioca brava, quanto para a mansa, também chamada de macaxeira. A diferença das variedades é que a primeira contém ácido cianogênico, tóxico para os animais. “Se for a brava, a gente fena ou desidrata. Quando você coloca ao ar livre, o cianeto evapora totalmente”, afirma.
Nível proteico da folha do tubérculo é até quatro vezes superior ao do milho
Em geral, em uma ração de engorda de um garrote de 14 arrobas, um nível entre 14% e 15% de proteína é suficiente para levar um animal de 400 a 450 quilos até a terminação – última fase antes do abate. Quanto mais velho o animal, quanto mais pesado, menor o nível proteico para se sustentar.
A folha da mandioca pode chegar a níveis proteicos entre 20% e 28% de sua massa. A concentração é tão alta que é necessário incluir na dieta gramíneas como capiaçu, sorgo boliviano ou mombaça, por exemplo, para reduzir a proporção de proteína em relação à quantidade total de massa seca.
“Só com a mandioca mais uma gramínea, sal branco e um pouco de ureia, a gente faz 100% da dieta desses animais de terminação, a partir de 12 até 22 arrobas.”
Segundo ele, uma plantação de um hectare rende entre 40 e 50 toneladas de massa verde no primeiro corte. Na rebrota, a tendência é uma produtividade ainda maior, uma vez que a raiz já está formada e contém alta concentração de amido.
“A partir do segundo corte, não vai produzir as mesmas 40 toneladas, vai produzir mais e mais rápido.” Além disso, o gasto é menor, já que será necessário fazer apenas a limpeza da lavoura, de forma manual ou com a aplicação de um herbicida, além de um fertilizante nitrogenado e de cloreto de potássio.
“Vamos supor que eu gastei em torno de R$ 6 mil para fazer o primeiro plantio e colhi 40 toneladas de massa verde. São R$ 150 gastos por tonelada para o primeiro corte. No Nordeste, a gente vende uma silagem bem pior do que essa por R$ 500 a R$ 800. Digamos a gente venda por R$ 500: você ganhou R$ 350 por tonelada, ou R$ 14 mil em 40 toneladas, gastando R$ 6 mil. Isso só no primeiro corte”, calcula.
“No segundo corte, você não gasta R$ 1 mil para fazer a limpa, R$ 25 por tonelada, supondo que renda as mesmas 40 toneladas. Depois de oito cortes, é preciso arrancar a raiz para renovar o planto”, descreve.
Nas contas do especialista, ao fim de dois anos, em oito cortes, seriam gastos R$ 13 mil para a obtenção de 320 toneladas de massa verde com nível proteico acima de 20%.
“No caso de milho plantado para silagem, gastando os mesmos R$ 6 mil para tirar as mesmas 40 toneladas na primeira colheita, você teria de 6% a 8% de proteína bruta. Só que no milho você tem que plantar de novo, são os R$ 6 mil para cada plantio.”
Para ele, o cereal acabou se consolidando como a melhor base para a alimentação de gado confinado por tradição. “Se você vai calcular a dieta necessária, os aplicativos disponíveis já vão mostrar o equivalente em milho, soja, sorgo. Ninguém planta mandioca para silagem, planta para comer a raiz.”
Caso se utilize a raiz para a alimentação animal, o valor energético equivalente é ainda inferior a um terço do preço que se paga atualmente em uma nutrição a base de milho.
Mesmo quando se utiliza a raiz do tubérculo para a produção de fécula, a água da lavagem do amido, chamada de manipueira, pode ser utilizada na alimentação de bezerros e terneiros, tanto em gado de corte quanto de leite.
“Um animal adaptado pode consumir a manipueira mesmo da mandioca brava, desde que a introdução seja feita de forma gradual, ao longo de 10 ou 15 dias”, explica Siqueira.
Em projetos em que presta consultoria, o médico veterinário ainda mantém o gado confinado em assoalho de concreto para aproveitar urina, fezes e água de lavagem para adubar a mandioca e gramíneas cultivados na mesma propriedade. “Com isso, você se livra de um problema ambiental e ainda economiza em fertilizantes químicos, porque, para a mandioca, a matéria orgânica chega a ser cinco vezes melhor do que a adubação química.”
Brasil é o quinto maior produtor de mandioca do mundo
Em 2025 o Brasil deve tornar-se o maior produtor mundial de carne bovina, superando os Estados Unidos, segundo o Departamento de Agricultura americano (USDA).
O país é ainda o quinto maior produtor de mandioca, depois de Nigéria, Congo, Tailândia e Gana, de acordo com os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), referentes a 2023.
Há produção do tubérculo em todas as unidades federativas do país. A liderança, em números absolutos, é do Pará, com cerca de 4 milhões de toneladas produzidas em 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o Paraná lidera em produtividade, com 26,7 toneladas por hectare – o dado considera apenas a raiz da mandioca.
Durante a Fiman, o secretário de Inovação e Inteligência Artificial (Seia) do Paraná, Alex Canziani, anunciou a liberação de R$ 1,58 bilhão em investimentos para o desenvolvimento tecnológico da mandiocultura em Paranavaí.
De acordo com o governo estadual, a safra de 2025 deve alcançar um volume recorde de 4,2 milhões de toneladas de fécula de mandioca, superando as 3,7 milhões de toneladas produzidas em 2024, conforme dados do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab).
*O jornalista viajou a convite da Fiman
