O Brasil atravessa um momento de deterioração fiscal, marcado por déficit permanente, resultado de uma combinação de descontrole nos gastos e elevado endividamento. Análises econômicas indicam que a atual administração federal caminha para registrar o maior rombo nas contas públicas desde a estabilização da moeda com o Plano Real, em 1994.
O cenário de fragilidade é corroborado por dados internacionais que posicionam o Brasil como detentor da segunda maior dívida pública entre os países emergentes, superado apenas pela China.
O economista Fabio Giambiagi acendeu o alerta. Para chegar ao rombo recorde ele utilizou como métrica o déficit nominal. De modo distinto ao resultado primário — que considera apenas a diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo os custos da dívida —, o déficit nominal engloba também o pagamento dos juros da dívida pública.
Por englobar os gastos com as amortizações da dívida, em épocas de juros altos é comum que o déficit nominal seja maior, como ocorre atualmente. Nesses casos, não raro, o governo costuma responsabilizar o Banco Central e a manutenção dos juros em patamares elevados pelo rombo nominal crescente. Nos últimos meses, o presidente da autoridade monetária tem sido frequentemente criticado por integrantes do governo, mesmo tendo sido indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o cargo.
No entanto, a forma como o governo trata as contas públicas é um dos principais determinantes da taxa de juros. Então, o descuido fiscal da atual gestão também ajuda a manter os juros elevados e, consequentemente, ampliar o tamanho do rombo de forma constante.
Conforme observado por Giambiagi, o déficit nominal médio da terceira gestão de Lula deve se consolidar em cerca de 9% do PIB. A trajetória atual supera os resultados negativos observados em gestões anteriores, em razão da expansão do gasto público sem a devida contrapartida em cortes de despesas.
Rombo com Lula em 2026 quase dobra em relação a 2022
Giambiagi afirma que Lula herdou um déficit nominal de 4,6% do PIB em 2022 e em 2026 irá aumentá-lo em quase 90%. “É uma proeza”, conclui, em artigo publicado no jornal O Globo. O economista ainda pontua que nem mesmo com o déficit “estratosférico” da pandemia em 2020 houve um governo com uma média tão alta.
Quem mais se aproxima da marca lulista seria o ex-presidente Michel Temer, mas Giambiagi faz uma ressalva: ele havia herdado um déficit de 10% do PIB na média do biênio 2015-16, últimos anos do governo de Dilma Rousseff (PT).
Confira a seguir a lista com a média dos déficits nominais por mandato desde a primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso. Giambiagi fez uma adaptação para conformar os primeiros dois anos do segundo mandato de Dilma e os separar do governo de Michel Temer. Para 2025 e 2026 ele se baseou em previsões do Banco Central:
- 1995-98 (FHC): déficit nominal médio de 6% do PIB
- 1999-02 (FHC): 4% do PIB
- 2003-06 (Lula): 3,8% do PIB
- 2007-10 (Lula): 2,6% do PIB
- 2011-16 (Dilma): 5,5% do PIB
- 2017-18 (Temer): 7,4% do PIB
- 2019-22 (Bolsonaro): 7% do PIB
- 2023-26 (Lula): 8,6% do PIB
Fiscal frouxo afeta toda a economia
Segundo Luís Garcia, advogado tributarista e sócio do Tax Group, o déficit nominal elevado contribui diretamente para o crescimento da dívida.
O tributarista aponta que, com uma dívida crescente e elevada, o risco fiscal aumenta. Com isso, o mercado tende a exigir compensações mais altas para financiar a dívida — o que, por sua vez, se reflete em aumento da taxa de juros ou, no mínimo, em manutenção por mais tempo de juros elevados.
Por sua vez, os juros altos têm impacto direto na economia das pessoas: tornam empréstimos — pessoais, imobiliários, para empresas, etc — mais caros, desestimulam investimentos privados e retardam o crescimento econômico.
Ainda mais: quando o governo compromete uma parte significativa de suas receitas para pagar juros da dívida e cobrir déficits, sobra menos margem para investimentos públicos (saúde, educação, infraestrutura, segurança etc.).
Nesse ambiente de aperto fiscal, pode haver cortes ou atrasos em serviços públicos essenciais, e mais pressão para aumento de tributos. Isso recai diretamente sobre a população, especialmente as camadas mais vulneráveis.
Sem uma agenda clara de revisão de gastos e redução do tamanho do Estado, a tendência é de que o custo do serviço da dívida continue aumentando.
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Juros influenciam déficit apesar do crescimento da economia
De forma divergente, Nelson Rocha, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e diretor da Câmara de Comércio e Indústria do Estado do Rio de Janeiro (Caerj), afirma que não se pode tomar o déficit nominal como parâmetro de avaliação da economia, justamente porque o indicador considera os juros da dívida.
Ele afirma que essa despesa, atualmente a segunda maior, atrás apenas da Previdência, poderá se tornar a primeira em breve. Contudo, apesar do déficit, Rocha defende que o país tem crescido e que o nível de desemprego está sendo reduzido. Assim, conclui que a economia como um todo dá suporte para que haja uma redução dos juros.
Lula não dá prioridade à transparência fiscal, diz economista
Em sua análise, Giambiagi afirma que o governo Lula não dá prioridade à transparência fiscal. Ele comenta que desde a campanha eleitoral em 2022, o atual mandatário se negava a dizer o que faria em termos fiscais, dando como entendido que tinha provas de sua responsabilidade fiscal nos primeiros mandatos.
Contudo, Giambiagi defende que todo o trabalho fiscal havia sido feito por Fernando Henrique Cardoso. O economista aponta que, de 1998 a 2002, FHC transformou um resultado primário nulo em um superávit de 3,2% do PIB, que se repetiu em 2003, primeiro ano de Lula no governo.
A dinâmica, contudo, não se repetiria em 2023: a redução de impostos no segundo semestre de 2022 levada adiante por Jair Bolsonaro, somada às promessas de gastos extra de Lula durante a campanha, já sinalizavam para queda na receita e aumento das despesas.
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Privatizações e commodities financiaram governos FHC e Lula
Para Nelson Rocha, os superávits dos governos FHC e nos dois primeiros mandatos de Lula deveram-se às privatizações e ao boom das commodities. Esse tipo de sustento já não teria ocorrido no governo Dilma, que ainda errou ao manter a política anticíclica adotada na segunda gestão de Lula para compensar os efeitos da crise de subprime dos EUA em 2008.
Sobre a terceira gestão de Lula, Rocha dá ênfase ao impacto de medidas adotadas por Bolsonaro no segundo semestre de 2022. Entre elas, o aumento dos benefícios do Bolsa Família, cujos efeitos foram sentidos mais fortemente em 2023, quando o capital político já não permitia a Lula retroceder. Os precatórios e o aumento no valor das emendas parlamentares também tiveram impacto semelhante.
Giambiagi, por sua vez, afirma que não há senso em responsabilizar Bolsonaro pelo rombo fiscal de Lula. De acordo com o economista, em 2023 e 2024 o gasto primário federal aumentou a uma taxa acumulada de 12% em termos reais, sendo que o governo não faz os ajustes estruturais necessários para conter o déficit.
Brasil é vice-líder global em endividamento
Independentemente da avaliação das causas que levam o país ao déficit crescente, o desequilíbrio interno também repercute na percepção internacional sobre o Brasil. Relatório de dezembro do Instituto de Finanças Internacionais (IIF) afirma que o país possui hoje a segunda maior dívida pública entre as nações emergentes.
O levantamento revela que o endividamento brasileiro, calculado em 87,6%, só é menor que o da China, 88,6%. O dado é tido como preocupante, visto que a economia chinesa possui características de financiamento estatal e reservas cambiais distintas da realidade brasileira.
O Brasil aparece à frente de outros grandes emergentes, como Índia, Rússia e México, sinalizando uma vulnerabilidade maior a choques externos e uma menor capacidade de investimento estatal em áreas prioritárias. Segue a lista de endividamento considerada pela IIF:
- China: 88,6% do PIB – Situação fiscal crítica: forte expansão impulsionada por estímulos estatais e dívidas de províncias.
- Brasil: 87,6% do PIB – Situação fiscal crítica: alta carga de juros (Selic) e déficit nominal recorde pressionam a dívida.
- Índia: 82% do PIB – Situação fiscal de alerta: dívida elevada, mas sustentada por forte crescimento econômico (denominador do PIB cresce rápido).
- África do Sul: 72,5% do PIB – Situação fiscal requer atenção: deterioração fiscal recente e baixo crescimento econômico.
- México: 50% do PIB – Situação fiscal moderada: rigor fiscal maior em comparação aos pares latino-americanos.
- Rússia: 19,5% do PIB – Situação fiscal baixa: dívida historicamente baixa, mas sob pressão de gastos militares e sanções.
Gestão Lula deixa “herança maldita” para 2027
Diante de todo esse cenário, Luís Garcia afirma que “herança maldita” é um termo apropriado para definir os riscos fiscais que ora se acumulam e que ficarão para quem assumir o poder em 2027, ainda que Lula seja reeleito.
“O elevado déficit nominal significa que, seja quem for o presidente em 2027, herdará uma dívida pública elevada, com encargos de juros altos e pouca margem fiscal para manobra. Isso limita dramaticamente a capacidade de adotar políticas sociais, de investimento ou de responder a crises sem agravar o endividamento”, afirma.
Na visão do tributarista, se o novo governo não implementar uma trajetória consistente de ajuste fiscal — combinando restrição de gastos, reforma estrutural (tributária, administrativa, previdenciária) e controle eficiente da dívida — há alto risco de que o desequilíbrio persista ou se agrave, o que pode levar a mais endividamento, aumento de impostos ou cortes severos.
