
Com a publicação da ata do julgamento em que a Primeira Turma rejeitou seu recurso contra a condenação por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aguarda a divulgação do acórdão — documento que oficializa o desfecho da votação — para decidir o próximo passo, embora as opções sejam escassas.
Como informou CartaCapital, o ex-capitão pode apresentar uma nova rodada de embargos de declaração — o mesmo tipo de recurso rechaçado pela turma — ou, mais provável, os chamados embargos infringentes, que têm o potencial de alterar no mérito o resultado de um julgamento. De qualquer forma, porém, as chances de sucesso são ínfimas.
Diante do previsível fracasso nos embargos, Bolsonaro poderá aceitar a condenação e pleitear o cumprimento da pena em prisão domiciliar — recorrendo, por exemplo, à idade e aos problemas de saúde — ou insistir na contestação, por meio de uma revisão criminal cuja análise caberia ao plenário, e não mais a uma turma.
O STF admite a revisão de uma condenação em três cenários:
- quando a sentença contrariar a lei penal ou a evidência dos autos;
- quando a condenação se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; e
- quando, após a sentença, vierem à tona novas provas de inocência do condenado ou de uma circunstância que autorize a diminuição especial da pena.
A defesa pode solicitar a revisão criminal a qualquer momento, após a condenação transitar em julgado — ou seja, a partir do momento em que não couberem mais recursos. Bolsonaro já estaria, portanto, no cumprimento de sua pena, seja em casa, no presídio ou em uma unidade do Exército.
Os advogados teriam de apresentar documentos que demonstrem as alegações e listar as provas que pretendem produzir. O relator do procedimento aceitará ou não as provas requeridas e ordenará a produção de outras que julgar necessárias.
Na fase de instrução da revisão criminal, o relator ouvirá a defesa e o procurador-geral, com cinco dias de prazo para cada um. Quando o relatório estiver pronto, o ministro enviará os autos a um colega que terá a função de revisor, a quem caberá pedir uma data para julgamento.
Se o plenário concordar com a revisão, poderá absolver o acusado, alterar a pena ou anular o processo. Em caso de absolvição, a Corte devolverá a ele todos os direitos perdidos devido à condenação.
Lenio Streck, jurista e professor de Direito Constitucional, destaca que a revisão criminal não pode ser interpretada como um substituto de recurso. Assim, ela precisa preencher requisitos muito específicos e sensivelmente mais graves.
“Bolsonaro poderia ter sucesso em uma revisão criminal se a decisão do Supremo que o condenou fosse contrária à lei, o que não é o caso. Ou à evidência dos autos, o que também não é o caso”, reforça. “Ou então: a decisão do Supremo se baseou em exames falsos, documentos falsos? Também não é o caso. Bolsonaro tem novas provas que comprovem sua inocência? Não.”
Não há, portanto, ponto de contato entre a ação penal da trama golpista e as exigências impostas para demandar uma revisão criminal, na avaliação de Streck.
Por que embargos infringentes também não tendem a prosperar
Ao contrário dos embargos de declaração, voltados a resolver eventuais omissões, contradições ou obscuridades em uma votação, os embargos infringentes podem mudar o desfecho de um julgamento. Dependem, no entanto, de uma condição que não se aplica ao caso de Bolsonaro.
O STF firmou em 2018 um precedente que agora serve contra o ex-presidente: na ocasião, negou os embargos infringentes do ex-deputado, ex-prefeito de São Paulo e ex-governador Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro.
Os ministros fixaram a tese de que só seria possível admitir os embargos infringentes contra a decisão de uma turma se houvesse dois votos vencidos em favor do réu — ambos de juízos absolutórios em sentido próprio, ou seja, pela absolvição no mérito do processo, não em questões preliminares.
Na condenação de Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão em setembro, a Primeira Turma formou um placar de 4 votos a 1, com Luiz Fux isolado na defesa do réu. A jurisprudência firmada há sete anos e ratificada em julgamentos posteriores, portanto, não autoriza embargos infringentes.
O julgamento de Maluf se tornou ainda mais relevante porque o regimento interno da Corte não explicita os requisitos para apresentar esse tipo de recurso contra decisão de uma das duas turmas — em julgamentos no plenário, por outro lado, o documento cobra pelo menos quatro votos divergentes.
Últimos precedentes de revisões criminais não animam Bolsonaro
No fim de outubro, o ministro Dias Toffoli negou um pedido de revisão criminal de Antônio Teodoro de Moraes, condenado a 12 anos e um mês de prisão por participar do 8 de Janeiro.
Segundo o ministro, a defesa do bolsonarista buscava apenas rediscutir teses processuais e de mérito já enfrentadas pela Primeira Turma no decorrer da análise penal. Seria, portanto, uma tentativa de reabrir o debate sobre fatos e provas.
“É patente a impropriedade da via revisional, uma vez que o pedido não preenche quaisquer dos requisitos previstos”, afirmou Toffoli. Além disso, explicou, a defesa não anexou provas das supostas nulidades, nem demonstrou ter suscitado essas questões no processo.
A defesa, por sua vez, apostou em argumentos como ausência de individualização das condutas do réu, incompetência do Supremo para julgar o caso, e falta de armas e vínculo com os outros manifestantes.
