60% das cias brasileiras relatam práticas ESG, mas só 29% têm auditoria externa – Do Micro Ao Macro – CartaCapital

Por Igor Britto e Julia Catão Dias

Assim como quem mais produz os efeitos da crise climática não é quem mais sofre com suas consequências, o modo como consumimos também reflete  e aprofunda — as desigualdades que estruturam nossa sociedade. Em um país como o Brasil, marcado por contrastes de raça, gênero, renda e território, o consumo é um espelho dessas diferenças: enquanto alguns escolhem o que comprar com base em rótulos e discursos de sustentabilidade, outros sequer têm acesso a alimentos seguros, água limpa ou moradia digna. Ainda assim, é sobre todos nós, como consumidores, que recaem as responsabilidades e as narrativas sobre como “salvar o planeta”.

Nesse cenário, quem tem o poder real de mudar a realidade, os governos e as grandes empresas, é justamente quem mais se beneficia em manter tudo como está. O resultado é um jogo desigual, em que a coletividade de consumidores, embora numerosa, enfrenta corporações que controlam a informação, o mercado, e, em muitos casos, o próprio sentido de “sustentabilidade”.

Para que essa coletividade tenha força de reação, é preciso que as regras da disputa sejam transparentes e justas. Empresas e governos precisam abandonar as narrativas que distorcem a realidade e jogar limpo. Não dá para vender a ideia de que um produto é sustentável quando ele é fabricado a partir do desmatamento da Amazônia, da contaminação de rios ou da violação de territórios de povos indígenas e de comunidades tradicionais. Não dá para anunciar que um serviço combate às mudanças climáticas enquanto outros ofertados continuam queimando combustíveis fósseis sem parar. Essa maquiagem verde, que transforma destruição em estratégia de reputação, tem nome:greenwashing.

O problema é generalizado

Segundo pesquisa da Market Analysis, 81% dos produtos com apelo ambiental no Brasil trazem informações enganosas. Um estudo do Idec também mostrou que quase metade dos 500 produtos analisados em 2019 praticava greenwashing, e o NetLab, da UFRJ, identificou indícios dessa prática em cerca de 50% dos anúncios sobre transição energética publicados no LinkedIn.

O greenwashing engana consumidores, que pagam mais caro, acreditando estar fazendo uma escolha sustentável, enquanto piora a vida daqueles que já sofrem as consequências geradas pelo próprio consumo. São comunidades que enfrentam enchentes, calor extremo e contaminação, sem nunca ter se beneficiado desse modelo de produção.

E o pior, ao mascarar o problema, retarda às mudanças estruturais necessárias e mina a confiança coletiva de que é possível fazer diferente. Até o mercado financeiro já percebeu essa farsa: 98% dos investidores brasileiros e 94% dos investidores globais acreditam que os relatórios corporativos sobre sustentabilidade contêm informações não comprovadas, segundo pesquisa da PwC.

E isso acontece apesar de a sociedade estar pronta para uma mudança. O próprio oferecimento de produtos com esse apelo mostra que as pessoas querem ajudar, mas não sabem como. Essa disposição da sociedade mostra que o problema não é falta de interesse, mas de garantias – e é justamente aí que entra o papel do Estado.

Por isso, o Idec apresentou ao governo brasileiro uma proposta de decreto que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor, tornando mais evidente a ilegalidade do greenwashing e facilitando sua fiscalização pelos órgãos de defesa do consumidor. A ideia é ir além da punição a práticas enganosas: trata-se de enfrentar os modelos produtivos dominantes, criando condições para que formas verdadeiramente responsáveis de produzir e oferecer bens e serviços possam prosperar, baseadas em transparência, ética e compromisso real com as pessoas e a natureza. A expectativa é que o decreto seja assinado durante a COP30, fortalecendo o direito à informação e a responsabilização das empresas que constroem narrativas falsas de sustentabilidade.

Durante a conferência, o Idec também realizará o pré-lançamento do observatório “De Olho no Greenwashing”, que vai monitorar casos, reunir dados e evidenciar práticas de mentira verde, criando um espaço permanente de transparência e controle social. A iniciativa reforça o que o decreto propõe: colocar limites claros às falsas promessas de sustentabilidade e fazer com que a transição ecológica deixe de ser apenas um  discurso.

Mas para que essa mudança aconteça em escala global, os Estados precisam assumir a dianteira e dar o exemplo. Não basta esperar que as empresas ajam por vontade própria, nem acreditar que o mercado resolverá sozinho a crise que ele mesmo alimenta. Enfrentar o greenwashing na COP30 significa exigir transparência, garantir que o financiamento climático chegue a quem mais precisa, e que as metas de adaptação aos efeitos do clima considerem as desigualdades sociais, raciais e territoriais que definem quem sofre primeiro os efeitos dele. Também significa reconhecer que não há transição energética justa sem o fim dos combustíveis fósseis, nem “economia verde” possível sobre a violação de direitos humanos e consumeristas.

Em Belém, resistir à pressão de lobistas e transformar promessas em políticas reais será o verdadeiro teste de liderança. E o Brasil pode começar dando o exemplo, assinando o decreto que reconhece o greenwashing como o que ele é: uma fraude contra o planeta.

Igor Britto é diretor executivo do Idec. É professor universitário de Direito do Consumidor e já foi presidente do Procon-ES. Tem 25 anos de experiência em defesa de consumidores.

Julia Catão Dias é coordenadora do programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec. Também é advogada, cientista social e mestranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP).

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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