
Agora composto por onze membros efetivos e dez países parceiros, a nova configuração do BRICS+ representa a materialização de um projeto coletivo de nações do Sul Global que buscam reestruturar a arquitetura financeira internacional. Como se sabe, este arranjo é historicamente centrado em instituições como o FMI e o Banco Mundial. No núcleo deste projeto estão o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA), instrumentos fundamentais para financiar um desenvolvimento comum e mais igualitário do grupo.
A presidência brasileira do BRICS em 2025 herdou a tarefa de integrar essas novas vozes e potencialidades – como Indonésia, Vietnã, Egito e Etiópia, Uzbequistão e Irã, Emirados Árabes Unidos e Belarus – de forma substantiva na governança e no financiamento multilaterais.
A partir de 2024, o BRICS transformou-se em uma coalizão ampliada de onze países-membros e dez nações parceiras, um coletivo frequentemente denominado “BRICS+”. No final de 2024, sua participação no produto bruto mundial, medido por paridade de poder de compra, atingiu a marca histórica de 41%, superando a participação do G7, que foi de cerca de 30%.
Os novos membros e parceiros trazem consigo dinamicidade econômica, localizações geoestratégicas e vastos mercados internos. O Vietnã, por exemplo, é uma economia com quase 100 milhões de habitantes e fortemente integrada às cadeias globais de valor. Da mesma forma, países como o Egito e a Etiópia representam polos de crescimento e integração regional em África, enquanto a Indonésia consolida o eixo asiático do bloco. Passo a passo, é necessário canalizar estas potencialidades para o desenvolvimento comum.
O Novo Banco de Desenvolvimento é a peça operacional mais visível desta cooperação. Sob a presidência de Dilma Rousseff, o NDB adotou uma estratégia que visa reduzir a dependência bancária do dólar, ao passo que mitiga os riscos cambiais para os países tomadores. A rota escolhida foi a ampliação do uso de moedas locais em seus financiamentos, em detrimento da expansão substancial das atividades comerciais do banco.
A tendência de financiamentos denominados em moedas locais ajudarem a mitigar riscos cambiais relacionados a moedas de países desenvolvidos esteve no centro do argumento de Rousseff durante o seminário no BNDES, no Rio de Janeiro, em junho deste ano. O impacto nos juros dos ativos do banco seria eventualmente compensando, entretanto, numa etapa subsequente de atuação bancária. Acredito estarmos diante desta virada. Explico por quê.
Em termos simples, o baixo risco cambial possibilitou a transição para o desenvolvimento sustentável do “capital emprestado” do banco, que se tornou mais viável e barato. A meta do banco é ter 30% de sua carteira denominada em moedas locais até 2026, um patamar que colocaria a instituição na vanguarda das práticas multilaterais de financiamento verde.
Os dados falam por si. Desde sua fundação, o NDB aprovou 122 projetos de investimento, totalizando cerca de 40 bilhões de dólares. Somente para o Brasil, foram 7 bilhões de dólares aprovados em 29 projetos – a imensa maioria sendo aprovados entre 2023 e 2025.
Do outro lado, a expansão da membresia do NDB – que já inclui nações como Bangladesh, Argélia e Colômbia, para além dos fundadores do BRICS – demonstra a atratividade e a necessidade deste novo modelo de financiamento. Para a próxima etapa, entretanto, precisamos de uma resposta ousada quanto às dificuldades da mobilização de capital do banco.
A política, na prática, é sempre muito dura. Consensos são construídos um passo de cada vez. Ao mesmo tempo, a baixa limitação do capital autorizado, hoje com um teto de cerca de 50 bilhões de dólares e a baixa utilização dos investimentos do banco – ainda cerca de 80% do capital autorizado – são desafios práticos à evolução das atividades do banco. Deve-se ser, portanto, propositivo.
Enquanto o NDB financia o desenvolvimento de longo prazo, o Arranjo Contingente de Reservas (CRA) atua como um mecanismo de proteção contra crises de liquidez de curto prazo. Estabelecido em 2015 – sob influência do trabalho de Paulo Nogueira Batista Jr. – com um capital autorizado de 100 bilhões de dólares, o CRA funciona como uma rede de segurança financeira para seus membros, fornecendo suporte durante pressões no balanço de pagamentos.
O CRA é visto como um competidor direto do FMI, oferecendo uma alternativa de financiamento de emergência que evita, em parte, as condicionalidades políticas frequentemente associadas aos empréstimos do Fundo. Em 2023, as cúpulas do BRICS reafirmaram o papel do CRA diante da volatilidade econômica global, enfatizando a expansão do uso de moedas locais em sua estrutura de financiamento. Para 2025, os ministros das finanças do bloco anunciaram o desenvolvimento de ferramentas digitais para monitoramento de liquidez em tempo real, modernizando a capacidade de resposta a crises.
A integração plena dos novos membros do BRICS+ no CRA, ajustando suas contribuições de capital e direitos de voto, é um passo lógico e necessário. Tal medida fortaleceria significativamente a capacidade coletiva do grupo de enfrentar choques financeiros externos, solidificando a autonomia do Sul Global. Evidentemente, isto há de ser negociado.
A expansão do BRICS+ cria uma oportunidade única para materializar o princípio da “igualdade soberana”, frequentemente reafirmado nas declarações do bloco. Para isso, a arquitetura financeira interna deve se transformar. A inclusão de novos membros e parceiros no NDB não deve ser meramente simbólica. É necessário refletir sobre uma maior participação acionária dos novos membros. A consequente possibilidade é a de revisão e compensação do poder de voto dentro do banco, criando uma realidade ainda mais plural no financiamento multilateral do desenvolvimento.
Há que se falar também sobre a mudança do arranjo político que estes elementos acarretam. Através da proposição de uma revisão da compensação do poder de voto dentro do banco através da maior participação acionária dos membros, surge a possibilidade de criação de arranjos diplomáticos diferenciados no BRICS+. Pode-se vislumbrar, por exemplo, a formação de coalizões regionais para o financiamento de obras de conexão continental em pontos nefrálgicos regionais.
Esta não é uma questão de mera representatividade, mas de eficácia e equidade. Uma governança mais equilibrada, que incorpore as perspectivas e necessidades dessas novas economias dinâmicas, garantirá que os recursos do NDB sejam alocados de forma a realmente atender às prioridades de desenvolvimento de todo o bloco. Um NDB verdadeiramente representativo do BRICS+ estará melhor equipado para identificar e financiar projetos de infraestrutura e sustentabilidade que tenham o maior impacto transformador na vida das populações do Sul Global. Serviria também de modelo para novas instituições multilaterais.
A expansão do BRICS+ é um fenômeno geoeconômico irreversível. O desafio que se coloca agora é garantir que essa multipolaridade nascente seja sinônimo de equidade, que a policentria não se torne fonte de dissenso, através de um novo redesenho institucional.
Ao fortalecer suas instituições financeiras comuns e torná-las mais inclusivas, o BRICS+ não está apenas financiando estradas, pontes e usinas de energia limpa. Está, brick by brick, construindo a infraestrutura de uma nova ordem econômica internacional, mais representativa, sustentável e justa.
Estas medidas, evidentemente, são carregadas de certo idealismo. Existe a possibilidade prática de que a sua instituição vá de encontro aos interesses dos países BRICS originais. Ao mesmo tempo, problemas complexos exigem medidas experimentais. Reside aqui a possibilidade de construção de um verdadeiro banco experimental em seu multilateralismo, calibrando as possibilidades de financiamento ao desenvolvimento para uma nova era.
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