Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam que a Internet apresentou uma nova maneira de fazer política e que as plataformas são uma nova forma de se organizar para manifestações.

A Internet é parte essencial da sociedade contemporânea. As pessoas utilizam a rede mundial de computadores para trabalhar, conversar, realizar pagamentos, se entreter, entre outras finalidades. Um uso, todavia, passa desapercebido: se organizar politicamente.

O melhor exemplo desse cunho político da Internet é a revolução da geração Z no Nepal, há pouco mais de um mês. Jovens do país foram às ruas para derrubar o governo após a administração bloquear redes sociais como Facebook, Instagram e WhatsApp (plataformas proibidas na Rússia por extremismo). Os manifestantes usaram a própria Internet para combinar os protestos, fechando um ciclo no qual a rede foi o motivo e o meio para as manifestações.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que as redes sociais são capazes de moldar a opinião não só de jovens, mas de todas as faixas etárias. Para os analistas, as plataformas, hoje, são um espaço político, assim como sindicatos e grupos sociais já foram, com o agravante da circulação das fake news.

Lucas Mendes, professor de geopolítica na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e cofundador do Geopolítica Hoje e da Escola Acrópole, conta que os protestos no Nepal foram, de fato, comandados pela geração Z, mas que, ao longo da história, os jovens já estiveram à frente de muitas manifestações. Ainda assim, o especialista não descarta as redes sociais como um facilitador para revoluções.

“Junta nesse caldeirão político a questão da faixa etária do jovem com esse vetor, a rede social, e aí casa direitinho, porque já estão usando o local onde eles estão e acaba sendo, às vezes, de forma mais coordenada [a organização]; outras, menos coordenada.”

Mendes acredita que esteja cada vez mais difícil distinguir o papel de quem é um militante tradicional, com base social e ligado a um sindicato, das pessoas que se organizam pelas redes sociais. O especialista também destaca que a sociedade, por muitas vezes, pode se deixar levar por pautas levantadas na rede, sem sequer refletir sobre o conteúdo.

“Não estou querendo generalizar, mas, grosso modo, é um pouco isso que a gente vê. Uma participação mais ampla, mas superficial, e, nesse sentido, a geração Z acaba sendo muito mais massa de manobra. […] Acho que nós, enquanto sociedade, estamos em um primeiro momento das redes sociais. Então é difícil fugir dessa coisa, vez ou outra, de ser levado pelo que está sendo pautado [nas redes].”

Piero Leirner, doutor em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor do livro “O Brasil no espectro de uma guerra híbrida”, cita como exemplo o 8 de Janeiro para embasar o argumento de que todas as gerações estão suscetíveis ao impacto da tecnologia.

“Você pega o pessoal que participou do 8 de Janeiro, muita gente era idosa. Se não era idosa, eram aposentados, mais de 60 anos. Você vê que não foi algo que pegou necessariamente a população jovem, que é uma turma que passou a ser muito consumida por informação que está na Internet.”

Leirner afirma que é muito difícil combater essas notícias falsas atualmente. Se antigamente os emissores eram televisões, rádios, revistas e jornais impressos, hoje as fake news podem partir de qualquer lugar, sendo difícil até responsabilizar as plataformas.

“O fato é o seguinte: a gente está com um número de variáveis muito maior agora. É um pouco complicado você querer botar tudo nas costas de uma coisa só. […] Assim, por mais que se tenha estudos que estejam elaborando algumas explicações e hipóteses baseadas em amostragem, eles não conseguem captar a rede [de fake news] como um todo, como ela foi fabricada.”

Governos nas mãos das redes sociais

A ação da administração nepalense de bloquear algumas redes sociais foi o estopim para uma convulsão social. No Brasil, é possível notar uma comoção em diferentes setores da sociedade quando é colocada em pauta a regulamentação dessas mesmas plataformas.

Do outro lado, as big techs norte-americanas contam com forte apoio estatal para operar as próprias regras onde quer que estejam. O estabelecimento de normas para essas companhias logo é classificado como censura e gera reações de governantes, como o presidente dos EUA, Donald Trump.

Mendes afirma que nos últimos anos as big techs se aproximaram de Washington, mas que essa relação ganhou um novo nível após o retorno de Trump ao comando do país. Enquanto o republicano pressiona outros governos para desistirem da regulamentação das redes, empresas como a Meta (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas) prometem investimentos nos Estados Unidos.

“Donald Trump puxa as redes sociais para o lado do governo americano e direciona o que elas devem fazer. Por exemplo, recentemente nós tivemos uma reunião do [Mark] Zuckerberg [CEO da Meta] e de outros CEOs de redes sociais na Casa Branca em que foram anunciados vultosos investimentos das big techs no território americano.”

O professor da PUC Minas vê como muito ruim o modus operandi das big techs, que tentam operar as regras do Vale do Silício em outros países, ignorando contextos locais e driblando legislações. Mendes, entretanto, destaca que as redes sociais fazem parte da vida das pessoas e que não é possível romper com a estrutura que elas estabeleceram do dia para a noite.

“O mundo inteiro está se movimentando para adequar as redes sociais à legislação interna do seu país, de modo que consiga abarcar uma discussão democrática. […] Milhões de pessoas estão usando as redes sociais. Você tem uma dependência financeira em torno dessas redes sociais, cultural também. Tirar elas do ar simplesmente não é uma possibilidade fácil, não é um botão de liga e desliga, existe toda uma discussão nesse sentido.”

Leirner explica que muitos funcionários das big techs em algum momento já fizeram parte dos quadros das forças militares dos Estados Unidos, e estes ainda teriam uma possível influência nas administrações.

“Não vejo mais muita distinção entre o Vale do Silício privado e o estatal. Acho que isso aqui está plasmado em uma coisa só. Aquilo que era o complexo industrial-militar está virando o complexo big tech-militar.”

O docente da UFSCar afirma que há um monopólio da comunicação digital e que isso afeta a ordem global, colocando grande poder na mão do “sistema atlântico”. Leirner sugere que uma maneira mais eficiente de combater o poder dessas redes sociais seja a criação de outras plataformas, assim aumentando a oferta.

“Um mecanismo mais eficiente de regulação seria ter outras redes e outros mecanismos de comunicação que façam a contraefetuação disso, de onde você não precise depender tanto ou se deixar na mão, de maneira tão grande, de quatro ou cinco empresas.”



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