só é respeitado quem se respeita – CartaCapital

O telefonema de Donald Trump para Lula representa a volta de alguma racionalidade nas relações entre as duas maiores democracias do Ocidente e as duas maiores economias das Américas.

Independentemente do que venha a acontecer nas negociações sobre o tarifaço, a desobstrução do diálogo, em si, já é uma vitória do Brasil. Lula manteve a altivez e não se dobrou aos arreganhos do norte-americano.

Não foi simples. Vamos nos lembrar que setores econômicos, agentes políticos e parte da grande mídia chegaram ao cúmulo de cogitar que Lula deveria se submeter a uma dose de humilhação para reverter as sanções. Tarcísio de Freitas, capacho que é, disse textualmente que era preciso “entregar uma vitória” a Trump.

Pensamento de gente colonizada. Nas relações entre países, do ponto de vista do Direito Internacional, não há hierarquia. Sentar-se em uma mesa de negociações quando o que estava em jogo era a soberania e as instituições brasileiras seria equivalente à capitulação na largada. Inaceitável!

A firmeza do Brasil em não aceitar aqueles termos e, ao mesmo tempo, buscar interlocução no campo econômico, mostrando os interesses prejudicados de lado a lado, revelaram um país que preza por sua soberania. Por outro lado, Lula foi a campo em busca de novos mercados, com destaque para o papel da China, e deixou claro que, embora os EUA sejam parceiro importantíssimo, não existe mais aquela dependência de tempos atrás.

Em paralelo, um trabalho competente e silencioso vinha sendo realizado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e o Itamaraty, como deve ser em questões de Estado, ainda mais quando estão em jogo 200 anos de relações políticas e econômicas entre as nações. Promoveram o encontro “casual” na ONU, onde a “química” quebrou o gelo e negociaram o que seria tratado no telefonema. Prepara-se ainda um encontro presencial entre os chefes de Estado.

Se conseguiremos retirar a sobretaxa de produtos brasileiros ou ampliar a lista de exceções, ainda não sabemos. Por um lado, Marco Rubio é uma figura ligada ao campo ideológico da extrema-direita, o que pode trazer dificuldades. Mas, por outro, é o secretário de Estado, principal homem do governo para assuntos externos, então tem estatura política para a negociação. Mas uma coisa é certa: os adultos voltaram para a sala e isso abre portas de negociação que até então estavam fechadas.

Atônito, o núcleo kamikaze do bolsonarismo dá cambalhotas retóricas tentando justificar o injustificável. Trump estaria atraindo Lula para uma cilada, Marco Rubio só aceitaria negociar com a anistia a Bolsonaro, o mundo estaria cego e só quem enxerga são os dois trapalhões Eduardo e Paulo Figueiredo. Seria cômico, não fosse delírio.

Para esses conspiradores, fica a lição histórica: países não têm amigos, têm interesses. Ao que tudo indica, eles foram utilizados como idiotas úteis por Trump, que precisava justificar o aumento de tarifas ao Brasil e pela via do comércio isso não seria, como não é, possível. Agora, eventualmente, pode até recuar de forma parcial e ainda assim obter proveito econômico.

Os problemas de Trump conosco são muito maiores que Bolsonaro e, na minha opinião, passam pelo BRICS e pela regulação das plataformas digitais. Aguardemos as negociações caminharem, sempre combinando a defesa intransigente da soberania e dos interesses nacionais com a flexibilidade na temática econômica no que for de proveito mútuo.

Por fim, Lula já sai vencedor com o mero restabelecimento da interlocução, pois obrigou Trump a negociar. Importante frisar que foi o norte-americano quem fez o primeiro gesto, o que não é pouca coisa. Qualquer recuo dos EUA, fará com que a vitória seja imensa. Será a prova cabal aos vira-latas de plantão: só é respeitado quem se respeita.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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