Quem recebe aluguel já é obrigado a pagar Imposto de Renda. Com a entrada em vigor da reforma tributária, o proprietário pode ter de pagar, além do IR, um outro tributo.
Nem todos serão enquadrados no novo imposto, porém. A cobrança ou não vai depender da quantidade de imóveis alugados e da renda total. A partir de 2027, quem alugar mais de três imóveis e tiver receita anual de aluguéis acima de R$ 240 mil terá uma nova conta para pagar.
Outra novidade está a caminho: a partir de 2026, cada imóvel do país ganhará um identificador único, encerrando uma era de informalidade no setor. Será o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), já apelidado de “CPF do imóvel”. Quem omitir rendimentos de locação ou opera no mercado informal terá de regularizar a situação ou enfrentar multas de até 150%.
Novo imposto sobre aluguel: as mudanças
Atualmente, não existe um tributo específico sobre a locação de imóveis, como o Imposto Sobre Serviços (ISS) ou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Segundo a tributarista Bianca Xavier, professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio), no sistema atual, “a locação não se enquadra nem como mercadoria, nem como serviço”.
A pessoa física que aluga um imóvel hoje paga apenas o Imposto de Renda, dependendo do valor do aluguel. O pagamento é feito via carnê-leão. Para pessoas jurídicas como imobiliárias que intermediam aluguéis já há uma tributação de 3,65% sobre o valor do aluguel, referente ao PIS/Cofins.
A virada de chave em 2027: possível contribuinte do IBS/CBS
Com a reforma tributária, pesoas jurídicas que recebem alugueis terão de lidar com um novo tributo. Ou melhor, dois, da mesma natureza e cobrados simultaneamente: o Imposto sobre Bens e Serviços e a Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS/CBS).
O IBS será de competência estadual e municipal. O CBS, federal. Essa dupla vai substituir os atuais PIS, Cofins, ICMS e ISS.
O novo sistema tem uma base ampla e incidirá sobre todas as operações com bens e serviços. A alíquota do IBS/CBS sobre aluguel poderá chegar a 10%, diante dos atuais 3,65% cobrados pelo PIS/Cofins.
As pessoas físicas com grande volume de negócios também serão afetadas. Mas o Fisco não vai cobrar o imposto sobre aluguel de todos os indivíduos, e sim daqueles que atenderem a dois critérios cumulativos:
- número de imóveis: deve possuir mais de três imóveis alugados; e
- receita anual: deve receber mais de R$ 240 mil por ano, proveniente da locação, cessão ou arrendamento desses imóveis. Este valor de referência será corrigido anualmente pelo IPCA.
Exemplos práticos da regra cumulativa:
- Cenário A: Um proprietário tem dois imóveis alugados, mas recebe R$ 300 mil anualmente. Ele não paga o novo imposto, pois não preenche o requisito de mais de três imóveis.
- Cenário B: Um proprietário tem quatro quitinetes, mas a renda anual é de R$ 100 mil. Ele não paga, pois não preenche o requisito de mais de R$ 240 mil.
- Cenário C: Ana tem quatro apartamentos alugados por R$ 6 mil cada, fechando o ano com R$ 288 mil de renda. Ela aluga quatro imóveis e ultrapassou os R$ 240 mil, portanto entra na regra.
Regra de exceção: o enquadramento no ano corrente
Apesar de o cálculo se basear na renda do ano anterior, existe uma regra de exceção para quem ultrapassar o limite no ano corrente. Se um único imóvel gerar receita superior a R$ 288 mil no ano, o dono vira contribuinte.
Segundo Vinicius Cunha, advogado especialista em Direito Tributário e sócio da MCW Advogados, neste caso a cobrança ocorrerá no próprio exercício em que a operação se realizar.
AirBnb e imóveis por temporada: as regras diferentes de alíquota
Os aluguéis de curta duração, como aqueles intermediados por plataformas como o AirBnb, seguem regime diferente. A lei trata a locação por menos de 90 dias como hotelaria/prestação de serviço.
Nesse regime, a alíquota IBS/CBS aluguel é reduzida em 60%, o que significa que o contribuinte pagará 40% da alíquota padrão. Essa é uma redução menor que a prevista para locações convencionais (30%).
Como calcular e reduzir o impacto do novo imposto
O que entra e o que sai da base de cálculo
A base de cálculo do IBS/CBS na locação não é o valor que será cobrado. A lei previu mecanismos para evitar distorções:
- O que entra na base: O valor do aluguel em si, além de juros e multas.
- O que não entra na base: Remove-se o valor do condomínio, IPTU e emolumentos do imóvel.
A redução da alíquota em 70% e o “amortecedor social”
A reforma tributária previu que o segmento imobiliário não irá pagar a alíquota cheia do IBS/CBS, que pode ficar entre 26,5% e 28%, no caso de locação de imóveis. Ela será reduzida em 70%, o que significa que o locador pagará apenas 30% da alíquota definida.
Além disso, há um abatimento mensal de R$ 600 na base de cálculo do IBS/CBS para locações residenciais. O valor será corrigido pelo IPCA e é limitado ao valor do próprio aluguel.
Entenda o cálculo (exemplo para uma alíquota padrão de 26,5%):
- Alíquota geral estimada: 26,5%
- Redução para locação: 70%
- Alíquota efetiva: 7,95% (30% de 26,5%)
- Sobre aluguel de R$ 3.000: R$ 238,50 de imposto
- Menos abatimento social: R$ 600
- Imposto final: R$ 0 (o abatimento cobriu tudo)
A brecha dos contratos antigos: uma oportunidade até 31 de dezembro
Proprietários com contratos de locação que tinham firma reconhecida antes da publicação da Lei Complementar 214/2025 podem ter direito a uma redução maior. Para aproveitar este benefício, o proprietário deve registrar o contrato no Registro Geral de Imóveis (RGI) até 31 de dezembro de 2025.
Como o CIB – o “CPF do imóvel” – pode acabar com a informalidade
A partir de 2026, a Receita Federal utilizará ferramentas de cruzamento de dados, como o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), para fiscalizar a movimentação imobiliária.
O CIB será um identificador nacional único para cada imóvel urbano ou rural. Ele integrará dados hoje dispersos em cartórios, prefeituras, Receita Federal e Incra. Cunha explica que o CIB reúne em uma base integrada informações que antes se mantinham fragmentadas.
O fim da omissão e o IPTU mais caro
Na prática, a Receita poderá identificar inconsistências entre declarações de renda e contratos de ocupação. Quem omitir rendimentos ficará exposto ao risco de autuação. Os contribuintes que não informarem a propriedade de imóveis ou omitirem rendimentos de locação poderão sofrer multa de até 150%.
O CIB também permitirá ao poder público calcular um valor de referência estimado com base em dados de mercado. Prefeituras com valor venal desatualizado poderão usar esses dados para revisar seus valores históricos. O resultado pode ser um aumento do IPTU.
O que fazer: planejamento patrimonial e repasse de custos
Repasse de custos: o inquilino vai pagar a conta
Proprietários e administradoras provavelmente repassarão os novos encargos (IBS/CBS) aos inquilinos, elevando os preços dos aluguéis.
A tributarista Andressa Sehn da Costa, sócia da área de entidades no escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados, ressalta que a lei complementar publicada em janeiro de 2025 estabelece prazos apertados para adequar os contratos em vigência – até 31 de dezembro deste ano.
Segundo ela, é fundamental que os locadores revisem seus contratos e insiram cláusulas contratuais, por meio de aditivos, que prevejam o repasse do montante referente ao IBS e CBS.
Ser pessoa física ou jurídica: uma decisão estratégica
Para a pessoa física que se enquadrar como contribuinte de IBS/CBS, haverá uma desvantagem em relação à pessoa jurídica (PJ). Esta pode aproveitar créditos fiscais na cadeia de serviços prestados, o que reduz a carga efetiva do imposto. Por isso, manter imóveis em nome de uma PJ ou holding pode ser mais vantajoso em operações frequentes.
Contudo, para quem tem poucos imóveis, pode continuar fazendo sentido manter em nome de PF, evitando a complexidade administrativa de uma empresa, diz Cunha.
A complexidade do novo regime exigirá que as pessoas físicas enquadradas dominem o processo de cálculo, que envolve descontar IPTU e condomínio, aplicar a redução de 70% da alíquota IBS/CBS aluguel e o redutor social de R$ 600.
“Os proprietários de imóveis devem procurar especialistas para que estudem seus casos e consigam minimizar os impactos oriundos da reforma tributária, afirma Cunha.
Cronograma crítico: datas que não podem ser esquecidas
- Até 31 de dezembro de 2025: Prazo final para registro de contratos antigos no RGI;
- A partir de 2026: Implementação do CIB (fiscalização total);
- A partir de 2027: Início da cobrança do IBS/CBS para locações;