O grupo de trabalho criado para tratar da reforma administrativa finalizou o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) e dos projetos de lei que trazem medidas para reestruturação do Estado. Entre as proposições, estão a redução de benefícios a servidores, como férias superiores a 30 dias e licença-prêmio, avaliação de desempenho com eventual pagamento de bônus por resultado, limite para o home office, revisão anual de gastos para o Executivo e metas de gestão para cada mandato, entre outras.
Para o relator da proposta, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), a reforma administrativa aproxima o serviço público da meritocracia. Ele disse à Gazeta do Povo que se trata de uma ampla agenda para o Congresso: “Vamos trabalhando ponto a ponto. Agora é hora de conversar, explicar o conjunto de propostas”.
Para ser protocolada, uma PEC precisa de 171 assinaturas prévias. Pedro Paulo também disse que iniciou a coleta junto aos parlamentares, mas não especificou o número de assinaturas já obtido.
Em carta anexada à documentação que explica a proposta, o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), afirma que, em diálogo com as lideranças da Casa, a reforma foi estabelecida como uma das prioridades para este ano.
“Conseguimos criar um espaço de destaque na agenda legislativa para colocar esse debate em pauta e estamos avançando para a construção de um bom entendimento para a modernização da administração pública, a fim de que ela esteja a serviço da população, com agilidade, eficiência e transparência”, afirmou Motta.
Apesar de trazer medidas que irão mexer com os gastos da máquina pública, a reforma administrativa não tem como foco o ajuste fiscal do governo. De acordo com Pedro Paulo, caso avance na Casa para aprovação, serão providenciados estudos a fim de avaliar o impacto das proposições nas contas públicas.
Proposta se estrutura em quatro eixos
A proposta de reforma administrativa foi estruturada em quatro eixos principais:
- Estratégia, Governança e Gestão;
- Transformação Digital;
- Profissionalização do Serviço Público; e
- Extinção dos Privilégios.
O objetivo principal é modernizar a administração pública brasileira, promovendo maior eficiência, transparência e responsabilidade fiscal. Foram elaboradas três propostas legislativas para tramitação da reforma administrativa:
- proposta de emenda à Constituição – a PEC da Reforma Administrativa, que modifica cerca de 40 artigos da Constituição e estabelece as novas regras para a gestão pública;
- projeto de lei complementar (PLP) – chamado de Lei de Responsabilidade por Resultados, que detalha as novas bases das metas e resultados para a administração pública, com regras para bônus por desempenho e revisões anuais de gastos; e
- projeto de lei ordinária (PL) – o Marco Legal da Administração Pública, que trata da reorganização de concursos, carreiras e funções de confiança.
Veja a seguir os principais pontos presentes na proposta de reforma administrativa da Câmara:
Planejamento e metas obrigatórios
É o pilar do eixo de Estratégia, Governança e Gestão. A ideia é que o planejamento seja um instrumento de definição das prioridades, dos objetivos, dos indicadores e das metas institucionais, assim como dos planos de ação para que os resultados sejam alcançados.
Para tanto, presidentes, governadores e prefeitos terão de apresentar o planejamento até seis meses depois da posse. O plano estratégico deve considerar todo o mandato e apresentar metas claras e objetivas, que guiarão a gestão e permitirão demonstrar o atingimento dos resultados.
Revisão anual de gastos do Executivo
A revisão de gastos é vista como um instrumento obrigatório a ser realizado de forma contínua e integrada ao processo orçamentário. Ao constitucionalizar o procedimento, a reforma faz com que seja uma obrigação para todos os entes da federação (União, estados e municípios), a fim de garantir a responsabilidade fiscal. No caso do Executivo federal, servirá para balizar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Tabela remuneratória única para cada Poder
É o pilar central do eixo Profissionalização do Serviço Público, com o objetivo de uniformizar e simplificar a estrutura de remuneração dos agentes públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
A tabela visa acabar com a fragmentação dos quadros remuneratórios e a disparidade entre carreiras semelhantes, o que dificulta as negociações. O piso proposto é o salário mínimo e o teto é o constitucional, atualmente em R$ 46.366,19.
Racionalização da estrutura administrativa municipal
A fim de racionalizar a gestão municipal, principalmente dos municípios com baixa arrecadação e altos custos administrativos, a reforma administrativa propõe limites para o número de secretarias e para o tamanho da administração.
Dentre as medidas, há um escalonamento da remuneração para prefeitos, subprefeitos e secretários. Nos municípios cujos gastos são maiores que as receitas, essa base de cálculo considera os vencimentos dos governadores.
Teto de despesas primárias para estados e municípios
Foi criado com o objetivo de limitar o crescimento orçamentário dos Poderes e órgãos autônomos em estados e municípios, para manter a sustentabilidade fiscal, prevenir a deterioração das contas e realocar recursos para políticas públicas prioritárias.
A proposta estabelece uma regra fiscal para o crescimento das despesas, vinculando-o ao crescimento da receita, com limite de até 2,5% ao ano. É inspirada no Arcabouço Fiscal federal.
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Limites para cargos comissionados e funções de confiança
A medida visa à introdução de critérios técnicos, limites percentuais e maior transparência na ocupação dessas posições, com o objetivo de combater o número excessivo de cargos, a distribuição política, a falta de critérios claros de seleção e a alta rotatividade nessas funções.
A reforma prevê o máximo de 5% de cargos comissionados, com exceção para municípios de até 10 mil habitantes, cujo percentual será de 10%. Desse total, pelo menos 50% deverão ser ocupados por servidores que já estejam em cargos efetivos.
Também está prevista a realização de processo seletivo ou avaliação de proficiência técnica dos candidatos, servidores ou não, que irão ocupar esses cargos. Além disso, serão submetidos à avaliação periódica diferenciada.
Fim de privilégios e benefícios
É a proposta central do eixo Extinção de Privilégios e tem o objetivo de enfrentar as desigualdades e excessos no serviço público. Ficam vedados os seguintes benefícios:
- férias superiores a 30 dias no período de um ano;
- acúmulo de férias por mais de dois períodos;
- parcelamento de férias em mais de três períodos;
- adicional de férias superior a ⅓ da remuneração do período de férias;
- adicionais por tempo de serviço e progressão automática;
- licenças por tempo de serviço (licença-prêmio);
- qualquer verba remuneratória ou indenizatória que não passe pela deliberação do Legislativo;
- aumentos de remuneração ou parcelas indenizatórias retroativas, a não ser por decisão judicial transitada em julgado;
- concessão de folgas, licenças ou outras verbas para compensar a acumulação de funções administrativas ou processuais extraordinárias;
- criação de fundos com recursos destinados a pagar despesas com pessoal ativo, inativo ou pensionistas.
A reforma administrativa também estipula que:
- o limite para auxílios e indenizações seja de até 10% da remuneração ou subsídio mensal para os servidores com salário igual a 90% ou mais do teto constitucional;
- verbas indenizatórias devem ter natureza reparatória, episódica, eventual e transitória.
Em relação ao Judiciário, a reforma administrativa ainda estabelece:
- o fim da aposentadoria compulsória como sanção disciplinar para magistrados e membros do Ministério Público que praticarem faltas graves, sendo substituída pela perda do cargo;
- quarentena de 12 meses para que membros do Ministério Público ou representantes da magistratura sejam eleitos para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP);
- fica vedado ao CNJ e ao CNMP instituir qualquer verba remuneratória ou indenizatória ou conceder aumento de remuneração ou de parcela indenizatória, inclusive com efeitos retroativos.
Transformação de honorários de sucumbência em receita pública
Também no eixo de Extinção de Privilégios, a reforma administrativa propõe transformar os honorários de sucumbência em receita pública. Esses honorários são valores que a parte perdedora de um processo paga aos advogados da parte vencedora, como forma de cobrir os custos da defesa jurídica.
Com a mudança, os valores deixariam de ser repassados aos advogados da União e passariam a ser destinados aos cofres públicos. A justificativa é que os advogados públicos, ao contrário dos profissionais do setor privado, recebem salário fixo — em média R$ 32 mil mensais — e não assumem riscos nem despesas inerentes à profissão que justifiquem o recebimento desses adicionais.
Antes mesmo de ser protocolada, a proposta já gerou protestos. O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) classificou a medida como um “golpe contra a categoria”, por redirecionar esses rendimentos para as receitas públicas.
Segundo os procuradores, a distribuição dos honorários de sucumbência “não configura despesa para os cofres públicos e não viola o teto constitucional”.
Limite para remuneração de notários e registradores
A proposta de reforma administrativa ainda estabelece teto remuneratório para notários e registradores de cartórios que assumirem sua função após a vigência das alterações constitucionais. Eles não poderão receber mais que 13 vezes o limite constitucional. Também estipula a idade máxima de 75 anos para o exercício da função.
Avaliação de desempenho e bônus de resultado
A regra visa fazer com que a gestão pública transite da lógica do tempo de serviço para um sistema mais dinâmico baseado no mérito, nas competências e nos resultados. A Avaliação Periódica de Desempenho (APD) será uma obrigação constitucional e um procedimento sistemático e contínuo.
Já o Bônus de Resultado ou por Desempenho fica condicionado ao atingimento das metas e resultados pelo órgão. O bônus será repassado ao órgão que não exceder 90% dos limites de despesa pessoal, apresentar acordo de resultados anual e realizar a Avaliação Periódica de Desempenho.
O limite individual do bônus será de até duas remunerações mensais, respeitado o teto constitucional, e de até quatro para cargos estratégicos.
Diagnóstico prévio para concursos e estágio probatório
A reforma administrativa também prevê uma nova sistemática para os concursos públicos, que ficam condicionados à realização de um diagnóstico prévio da força de trabalho, que inclua uma previsão de evolução para os dez anos subsequentes.
Ainda prevê a adesão de estados e municípios ao Concurso Público Nacional Unificado (CNPU) e a realização de concursos específicos para entrada de profissionais qualificados em cargos de especialistas, limitado a 5% da força de trabalho dimensionada.
Os concursados recém-aprovados serão submetidos a estágio probatório, onde serão avaliados de forma objetiva, com base em critérios, indicadores e metas preestabelecidos.
Estratégia Nacional do Governo Digital
É o componente central do eixo Transformação Digital, que visa modernizar a máquina pública a fim de torná-la eficiente, digital e justa. Para tanto, estabelece o uso de novas tecnologias para simplificar estruturas e processos de trabalho, otimizar recursos, aperfeiçoar serviços e facilitar a execução e avaliação das políticas públicas.
Prevê a integração dos serviços públicos digitais, cujo acesso será por meio de identificação única e nacional, associada à Carteira de Identidade Nacional (CIN). A reforma administrativa ainda propõe que todo ato praticado pela administração pública seja rastreável e disponibilizado em formato digital.
Também estão previstas políticas de segurança cibernética e de dados, de soberania digital, bem como o fomento ao desenvolvimento de soluções digitais e de inteligência artificial.
Limite para home office
Ainda que a regra admitida na reforma administrativa seja o trabalho presencial, está previsto o teletrabalho (home office). A modalidade é vista como uma ferramenta de gestão de pessoas e dependerá de acordo mútuo entre o funcionário e a administração.
A proposta estabelece que, no mínimo, 80% da carga horária semanal seja cumprida de forma presencial – o que praticamente limita o home office a um dia na semana. Além disso, o limite para o montante de servidores em teletrabalho é de 20% da força de trabalho na unidade administrativa.
O trabalho presencial é exigido para cargos de liderança e estratégicos. Gestantes e lactantes, pessoas que cuidam de crianças de até 5 anos ou de crianças e adolescentes com deficiência, e mulheres vítimas de violência doméstica têm prioridade para o teletrabalho.