Os afagos de Donald Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não serão suficientes para reverter o tarifaço imposto pelo líder americano à maioria dos produtos importados do Brasil.
Em discurso na terça-feira (23), Trump contou ter se encontrado brevemente com Lula nos bastidores da Assembleia Geral da ONU e que concordaram em conversar na próxima semana.
O presidente americano acrescentou que gosta do brasileiro e que só faz negócios com pessoas de quem gosta. O contato não havia sido negociado previamente. O Palácio do Planalto considerava a comunicação direta impossível e estava relutante em iniciar contato com a Casa Branca.
A consultoria Eurasia Group, especializada em análise de risco político global, avalia que as palavras de Trump tornam o telefonema provável. Contudo, a natureza espontânea dos comentários não garante um resultado concreto. Uma linha direta entre os presidentes pode, pelo menos, limitar o potencial de escalada do conflito.
Apesar dos gestos diplomáticos, o cenário econômico permanece desafiador. Analistas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que o risco de retrocesso permanece alto.
Um simples encontro não derruba barreiras comerciais que seguem sendo usadas como arma política. Trump frequentemente surpreende os próprios assessores, costuma desviar-se da mensagem oficial e confia nos instintos pessoais em negociações bilaterais. Muitas vezes volta atrás nos compromissos assumidos no momento.
O caminho para a normalização comercial é longo e incerto. Para que o Brasil colha benefícios concretos, é fundamental aproveitar o espaço de negociação com uma postura firme e planejamento técnico — não com esperanças de que gestos diplomáticos resolvam um choque tarifário que atinge o coração da economia brasileira.
Os efeitos do tarifaço dos EUA no Brasil: as exportações caíram
A principal dificuldade para reverter a situação está na magnitude das barreiras impostas pelos Estados Unidos. Em abril, o governo Trump iniciou a escalada comercial aplicando tarifa de 10% sobre importações brasileiras — um primeiro golpe que já reduziu a competitividade nacional.
Os Estados Unidos responderam por 11,7% das exportações brasileiras entre janeiro e agosto, sendo o segundo maior parceiro comercial do país, atrás apenas da China (29,5%). Em valores absolutos, o Brasil exportou US$ 26,6 bilhões para os americanos nos oito primeiros meses do ano, principalmente petróleo e derivados, produtos de ferro e aço, café, aviões e suco de laranja.
A tensão aumentou em julho após operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que resultou em prisão domiciliar decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O episódio mostra como a crise transcendeu o âmbito comercial. O governo americano retaliou de forma inédita: o secretário de Estado Marco Rubio anunciou a revogação dos vistos do ministro Alexandre de Moraes (do STF) e de outros membros da Corte, justificando que Moraes conduzia uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro.
Trump alegou ataques do Brasil à liberdade de expressão e aos direitos humanos, fazendo menção direta ao tratamento dado a Bolsonaro, seu aliado. Lula não recuou e chegou a avaliar retaliações. “O mundo mudou, não queremos um imperador”, disse o petista.
Os americanos então anunciaram adicional de 40% sobre a maioria dos produtos brasileiros, somando-se aos 10% já vigentes. Essa combinação deixou o país com tarifas totais de 50% sobre grande parte de suas exportações — a maior entre todos os parceiros comerciais da maior economia global.
Alguns produtos como aviões comerciais e suas peças, petróleo e derivados, suco de laranja, ferro-níquel e celulose foram incluídos em lista de exceções ou tiveram as tarifas zeradas.
Exportações aos EUA despencam após tarifaço sobre o Brasil
Apesar das exceções, no geral a competitividade brasileira no mercado americano despencou. As exportações brasileiras para lá caíram para US$ 2,76 bilhões em agosto, uma queda de 18,6% em relação ao mesmo mês de 2024. Foi o menor valor para agosto desde 2020, durante a pandemia da Covid-19.
Para que os EUA considerem redução de tarifas, à parte a questão envolvendo a condenação de Bolsonaro, o Brasil provavelmente teria que fazer concessões significativas: cortar as próprias tarifas sobre produtos americanos, comprometer-se com investimentos de empresas americanas, colocar minerais críticos na mesa e reduzir as tarifas do etanol americano, atualmente em 18%.
Os negociadores brasileiros dificilmente concordarão em reduzir amplamente as barreiras comerciais. O governo Lula abordaria concessões sobre minerais críticos com cautela, já que tem afirmado repetidamente que não criará regras especiais para países estrangeiros explorarem recursos brasileiros.
De todo modo, o presidente disse na quarta-feira (24) que aceita negociar a questão das terras raras com Trump, desde que seja um acordo “ganha-ganha” e que não limite ao Brasil ao papel de mero “exportador de minérios”.
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Diversificação comercial: a resposta ao tarifaço e a busca por novos parceiros
Diante desse cenário, o Brasil está acelerando estratégias que antes eram planos de longo prazo, transformando-as em necessidade urgente. A Eurasia Group ressalta que o país busca ativamente fortalecer laços comerciais com Europa, China, Oriente Médio, México, Canadá e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês).
Europa: prioridade máxima na agenda de Lula
As negociações com os europeus ganharam máxima prioridade. O acordo de livre comércio com a EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio, na sigla em inglês), que reúne Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, foi assinado em agosto. O próximo passo é o acordo com a União Europeia.
A expectativa é que esse acordo seja assinado na Cúpula do Mercosul, programada para novembro. A implementação está prevista para 2027 e exige aprovação de 15 estados-membros da UE no Conselho Europeu e maioria simples no Parlamento Europeu.
A União Europeia é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil. Em 2024, o comércio bilateral movimentou US$ 95,5 bilhões, o maior da história. Apesar da oposição francesa, a pressão comercial de Washington transformou as negociações europeias de conveniência em necessidade estratégica. O governo brasileiro avalia que o comércio com a UE poderá crescer 6% ao ano após a implementação.
Ásia: potencial estratégico frente ao tarifaço
O Brasil também intensifica esforços com a Índia, mercado de 1,4 bilhão de pessoas — a maior democracia do mundo e quinta maior economia global. Neste ano, Lula e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi se reuniram duas vezes e realizaram três chamadas telefônicas. Produtos indianos também estão sujeitos às tarifas americanas que podem chegar a 50%.
Os dois países uniram forças para expandir o acordo Índia-Mercosul existente desde 2009. O comércio bilateral foi de US$ 12,1 bilhões em 2024, muito aquém do potencial dos dois gigantes emergentes. O Brasil planeja abrir escritório de promoção comercial na Índia em 2025, embora essa parceria seja considerada arriscada devido ao alto protecionismo agrícola indiano.
A relação com a China se mantém estratégica, mas cautelosa. À medida que Pequim reduz a exposição aos EUA, aumenta as importações de commodities brasileiras que competem com produtores americanos. A China é o principal parceiro comercial do Brasil. O Brasil se mantém como principal fornecedor agrícola da China, respondendo por 34% das importações chinesas de soja e 23% das compras de carne bovina.
Um acordo de livre comércio com a China não está em pauta devido à pressão que produtos industrializados chineses exercem sobre a indústria nacional. Porém, o investimento de empresas chinesas no Brasil cresce como parte da estratégia de Pequim para diversificar investimentos globais. Segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), empresas chinesas investiram US$ 4,2 bilhões no Brasil em 2024, praticamente o dobro em relação a 2023. A principal área foi energias renováveis.
O Brasil também demonstra maior interesse pela Asean, bloco de 10 países com 650 milhões de habitantes e PIB combinado de US$ 3,6 trilhões. No final de março, o presidente brasileiro visitou o Vietnã, onde firmou acordos como a abertura do mercado à carne brasileira. Lula está programado para se tornar o primeiro presidente brasileiro a participar da Cúpula da Asean em outubro de 2025, após visitas programadas à Malásia e Indonésia.
Américas: oportunidade emergente
Nas Américas, o Brasil vê oportunidades com México e Canadá, economias que somam US$ 4 trilhões em PIB. Enquanto o USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta em 2020 e movimenta US$ 760 bilhões anuais) se enfraquece sob a gestão Trump, líderes mexicanos e canadenses buscaram Lula para explorar laços comerciais na América do Sul.
O governo do primeiro-ministro canadense Mark Carney sinalizou interesse em retomar negociações com o Mercosul, paralisadas desde 2021. Atualmente, as exportações do Brasil para México e Canadá representam apenas 4,2% do total, indicando enorme potencial de crescimento.
O mercado cobra pragmatismo: negociações exigem cautela
O gesto de Trump em Nova York não significa que o problema foi resolvido. O empresariado brasileiro recebeu com entusiasmo moderado a notícia de que os presidentes podem conversar após a interação na ONU, mas sinaliza que a diversificação comercial deve prosseguir independentemente do resultado.
Indústria otimista com o diálogo entre Lula e Trump
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) viu na sinalização de Trump um caminho para negociações que podem aliviar o impacto das sobretaxas. Ricardo Alban, presidente da entidade, expressou confiança de que o Brasil conseguirá reverter esse cenário por meio da conversa e da diplomacia. Ele lembrou que “Brasil e Estados Unidos mantêm relação comercial há mais de 200 anos — uma das parcerias mais longevas das Américas — e têm economias complementares”.
A CNI ressalta que a busca por novos mercados deve continuar como estratégia permanente, não emergencial. A entidade espera que a reunião represente oportunidade de reaproximação para “reduzir barreiras, ampliar a cooperação em inovação e sustentabilidade, e reforçar a segurança jurídica para investimentos”.
A Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil) também avalia a decisão como positiva, esperando que o encontro abra caminho para diálogo estruturado sobre temas econômicos e comerciais.
O mercado financeiro demonstra otimismo cauteloso, mas destaca que a diversificação é irreversível. Antonio Patrus, diretor da Bossa Invest, observa que a reaproximação pode abrir caminhos para parcerias estratégicas, “mas o Brasil não pode mais colocar todos os ovos em uma cesta só”.
Condições para sucesso na reversão do tarifaço dos EUA ao Brasil
Para que a negociação seja bem-sucedida, o Brasil precisa ir além da reação emocional. Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, afirma que o país deve encarar a situação com realismo. “O governo precisa negociar de forma pragmática, buscando reduzir as tarifas e fortalecer a relação comercial de longo prazo”, avalia.
João Kepler, CEO da Equity Group, sugere que o Brasil use a mesa de negociação não apenas para reduzir tarifas, mas para ampliar a cooperação em inovação, sustentabilidade e segurança jurídica. “Se o governo conseguir pautar a conversa nesse nível, o empresariado terá acesso a um mercado mais previsível — condição essencial para atrair investimentos de longo prazo”, explica.
Para o investidor de longo prazo, a disciplina, os aportes consistentes e a diversificação garantem solidez diante de ciclos políticos e econômicos. Fábio Murad, economista e CEO da Super-ETF Educação, argumenta que a possibilidade de negociação muda o humor do mercado, mas “a lição foi aprendida”.