O forte crescimento das recuperações judiciais no país neste ano tem dois culpados, disse neste sábado (27) o ministro da Fazenda ao podcast “Três Irmãos”. Segundo ele, a “combinação letal” que derruba empresas é formada pela taxa de juros de 15% ao ano e por um suspeito “abusozinho” no uso da recuperação judicial.
Segundo dados da RGF Associados, uma consultoria especializada em reestruturação corporativa, 4.965 empresas estavam em recuperação judicial no primeiro semestre de 2025 – uma alta de 17,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Haddad afirma que a Selic atual “dificulta muito” renovar empréstimos, enquanto algumas empresas usam a lei de forma inadequada. Ele aponta que o governo vai investigar esses casos suspeitos, porque nem todos os pedidos de recuperação judicial refletem uma crise real.
VEJA TAMBÉM:
- Juros no Brasil: por que o alívio para empresas e famílias pode vir só em 2026?
- Agro enfrenta onda de calotes e insolvência que deve crescer com ameaça dos EUA
Selic de 15% Compromete Negócios em Todo o País
Haddad não tem dúvidas sobre o principal culpado dessa crise: os juros altos. Com a Selicmantida em 15% ao ano e sem previsão de queda em 2025, manter qualquer negócio se tornou caro. “Dificulta muito” renovar empréstimos, disse ele. O impacto se espalha por todos os setores. Pagar pelos financiamentos empresariais é um desafio crescente.
Quem tem dívida com juros que sobem junto com a Selic vê o problema se agravar constantemente. De cada mil empresas ativas no Brasil, duas já pediam recuperação judicial em julho. Além disso, de cada 10 empresas que conseguem se recuperar, três acabam falindo – o pior índice da história.
Crime organizado se infiltra na recuperação judicial
Nem toda empresa que pede recuperação está realmente em crise. Haddad desconfia que alguns setores estão usando a lei de forma incorreta. O Ministério da Fazenda está monitorando “um ou dois setores da economia” que merecem atenção especial. A análise faz parte de uma batalha maior contra o crime organizado. Segundo o ministro, a confusão no segmento de combustíveis surgiu após a polícia desmantelar esquemas criminosos.
A Receita Federal já identificou o esquema: quadrilhas lavam dinheiro investindo recursos ilícitos em redes de motéis, empreendimentos imobiliários, postos de gasolina e franquias. A estratégia é clara: cortar o financiamento do crime organizado. Como Haddad explica, não basta apenas prender criminosos; é preciso eliminar os recursos que alimentam essas organizações, senão elas se reconstroem “como um tumor”.
Agronegócio tem seis vezes mais recuperações judiciais
Enquanto o governo investiga casos suspeitos, a crise real afeta setores vitais da economia. O agronegócio, que representa quase 30% de tudo que o Brasil produz, está no centro do furacão. Os pedidos de recuperação judicial no campo são quase seis vezes maiores que a média nacional. No segundo trimestre deste ano, cresceram 13,8% a mais em relação ao primeiro.
O produtor rural enfrenta pressões de múltiplas frentes: endividamento acumulado, queda nos preços internacionais da soja e do milho, real mais valorizado, além de fertilizantes e defensivos mais caros. Contudo, o que realmente prejudica o setor são os juros altos, pois o agronegócio opera com muito capital emprestado.
Geograficamente, o Centro-Oeste lidera os indicadores preocupantes. A região tem 2,75 empresas em recuperação para cada mil ativas, 40% acima da média nacional. Mato Grosso concentra a crise: produtores de soja registram 21,5 pedidos de recuperação para cada mil empresas, enquanto os de cana chegam a 20,9 por mil. Nas indústrias que processam produtos do campo, a situação é ainda mais grave. Fábricas de açúcar bruto lideram com 181,4 recuperações para cada mil empresas, quase o pior índice de toda a indústria. Usinas de etanol e empresas que processam arroz também estão no topo dos setores mais afetados. Os demais segmentos não escaparam.
Tarifas de Trump devem acelerar crise
Como se os problemas internos não bastassem, choques externos agravam o cenário. As novas tarifas americanas podem causar estragos significativos. Trump anunciou em julho e implementou em agosto uma tarifa adicional de 40% sobre a maioria das exportações brasileiras para os Estados Unidos, o segundo maior comprador.
A pecuária sofreu um dos maiores impactos. Com tarifas que chegam a 76,4%, exportar carne para os americanos ficou “praticamente impossível”, segundo representantes do setor. Espera-se agora uma onda de pedidos de recuperação entre os frigoríficos que dependiam do mercado americano. A indústria da cana-de-açúcar, já fragilizada, enfrenta dificuldades adicionais. As tarifas podem inviabilizar completamente a exportação de açúcar para os EUA, obrigando os produtores a disputar espaço em mercados mais competitivos na Ásia e no Oriente Médio, onde os preços são menores.
Gestão deficiente agrava o quadro
Nem todos os problemas podem ser atribuídos a juros altos ou a fatores externos. Muitas empresas enfrentam dificuldades por gestão inadequada. O problema começa quando os empresários demoram para buscar ajuda: a maioria só procura advogados quando a situação já está crítica, limitando as opções de recuperação e aumentando os custos.
Especialistas identificam falhas básicas de gestão: empresas que não conseguem mapear exatamente suas dívidas, identificar credores ou estabelecer cronogramas de vencimento. Mas o erro mais grave ocorre na forma de contrair empréstimos. Muitas vezes, o endividamento acontece com custos elevados e no momento econômico inadequado. Essa gestão financeira deficiente compromete a sobrevivência da empresa. A receita para resistir à crise é conhecida, mas exige disciplina: controlar rigorosamente o fluxo de caixa e ter agilidade para ajustar operações quando o cenário se deteriora. Empresas que seguem essa estratégia demonstram maior capacidade de atravessar este período adverso.
Governo promete combate a abusos
O diagnóstico de Haddad, confirmado pelos indicadores de mercado, é inequívoco: o Brasil atravessa a pior crise de recuperações judiciais da história. Para enfrentar o problema, o governo atuará em duas frentes simultaneamente. Na área econômica, precisa equilibrar as contas públicas para viabilizar a redução da SELIC – única forma de aliviar a pressão sobre empresas legítimas que lutam para sobreviver. Na área legal, vai assegurar que criminosos e oportunistas não utilizem a recuperação judicial de forma indevida.
As medidas já começaram: intensificação da fiscalização da Receita e criação de uma delegacia específica no órgão para investigar as finanças do crime organizado que se infiltra na economia.