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O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, assumiu pessoalmente a revisão de uma investigação contra a JBS Aves por supostas condições análogas à escravidão, segundo documentos obtidos pela Reuters. De acordo com a agência de notícias, a interferência ministerial suspende temporariamente a possível inclusão da empresa na “lista suja” do trabalho escravo até que haja um parecer final do próprio ministro. O caso não seria isolado e outras empresas estariam recorrendo ao ministro para evitar a punição.

O Ministério do Trabalho não comentou a decisão. Afirmou apenas que o processo contra a JBS segue em andamento e que recursos da empresa ainda estão sendo analisados. “O Ministério do Trabalho e Emprego aguardará a apuração dos fatos. O processo ainda está em fase de conclusão, com recursos da empresa em análise”, escreveu, em nota enviada à Gazeta do Povo.

O caso teve origem em uma operação da fiscalização federal no ano passado, que flagrou dez trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma empresa terceirizada responsável pela carga e descarga de uma unidade da JBS Aves, no Rio Grande do Sul.

Os auditores constataram jornadas ilegais de até 16 horas e alojamentos sem acesso à água potável, segundo relatório ao qual a Reuters teve acesso. A empresa terceirizada também estaria fazendo descontos irregulares dos salários, dificultando a saída dos funcionários.

Embora contratados por uma terceirizada, os auditores concluíram que a unidade da JBS Aves em Passo Fundo era a real responsável, já que definia cronogramas, locais e horários da coleta de frangos.

A JBS afirmou em nota que a Seara, marca do grupo, suspendeu imediatamente o contrato com a prestadora de serviços e bloqueou a empresa. A companhia reforçou que adota “tolerância zero” com violações de direitos humanos e acrescentou que todos os seus fornecedores estão submetidos a códigos internos de conduta e auditorias regulares.

“A Seara verificou, in loco, as condições de trabalho constatando o regular cumprimento da legislação em vigor. Todos os fornecedores estão submetidos aos nossos Código de Conduta de Parceiros e à nossa Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia”, escreveu em nota à reportagem.

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Ação de ministro é sem precedentes

A legislação trabalhista prevê que, após a constatação das irregularidades, os empregadores tenham direito à defesa em duas instâncias administrativas antes de terem seus nomes incluídos na “lista suja”.

Segundo a apuração da Reuters, a JBS Aves recorreu em ambas as fases, mas não obteve sucesso, e decidiu levar o caso ao gabinete do ministro. Até então, todos os pedidos semelhantes de outros empregadores foram negados por diferentes gestões do Ministério do Trabalho, desde o primeiro governo de Lula até o do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

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Associação de auditores emite nota rechaçando atuação de ministro do Trabalho

Para auditores fiscais, a decisão do ministro do Trabalho em favor da JBS cria um cenário de insegurança jurídica e ameaça de retrocesso em duas décadas de políticas públicas que tornaram o Brasil referência mundial no combate ao trabalho escravo.

Em nota pública, a Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho manifestou preocupação e estranheza com a decisão do ministro ao avocar para si a competência de decidir sobre a autuação da JBS Aves por condições análogas às de escravidão em sua unidade de Passo Fundo (RS), “constatadas em fiscalização realizada em abril de 2025”.

A entidade destacou que a empresa, após ter seus recursos administrativos negados nas instâncias previstas em lei, deveria ser incluída na chamada “lista suja” do trabalho escravo, mas a intervenção ministerial interrompeu o processo, contrariando os princípios de legalidade, impessoalidade e independência funcional dos auditores-fiscais do trabalho.

Segundo a entidade, a decisão representa um precedente perigoso, pois empresas de grande porte poderiam ter seus casos transferidos da esfera técnica para negociação política, fragilizando o combate ao trabalho escravo e atentando contra a segurança jurídica.

A associação ressaltou ainda a obrigatoriedade de respeito à legislação nacional e internacional, à Constituição Federal e a normas penais e administrativas que têm como foco coibir o trabalho escravo e proteger os direitos dos trabalhadores, reforçando que “decisões arbitrárias comprometem a credibilidade do ministério e o cumprimento de sua missão institucional”.

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