O comunicador falou abertamente sobre diversos temas –

Salvador será descrita de um jeito diferente do habitual no novo livro do jornalista Jean Wyllys, chamado “O Anonimato dos Afetos Escondidos”. Prestes a lançar a obra neste sábado, 20, na livraria Escariz, do Shopping Barra, o escritor conversou com a reportagem do Portal A TARDE sobre suas inspirações e anseios.

Durante o bate-papo, o comunicador explicou que o desejo de retratar a capital baiana de forma mais sombria em seus contos surgiu a partir das suas experiências na cidade, há cerca de 25 anos, e do olhar sobre o que parecia ser comum para os outros e questionável para ele.

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“É o meu olhar sobre uma cidade à qual eu não pertencia. Eu não nasci em Salvador, eu cheguei em Salvador como imigrante, do interior. Cheguei mais ou menos aos 19 anos e o fato de chegar aqui sem parente, nem aderente, e morar no Beiru, que o Tancredo Neves, depois ter sido repórter de cidade, me fez penetrar as muitas peles que cobrem Salvador”, disse ele.

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“A cidade tem contradições que precisavam ser mostradas, a partir das histórias das pessoas que habitam a cidade. Então, são personagens que dão humanidade a elas. Mesmo que sejam personagens controvertidos. Por exemplo, tem personagens que são delinquentes, mas mesmo os delinquentes pobres têm uma humanidade. Então, os contos são sobre isso, sobre relações humanas, coisas que eu acho eu acho que através conversam a história da civilização humana e isso faz do livro tão atual”, completou.

O famoso ainda destacou que pessoas de todo o mundo podem se identificar com que é retratado nas histórias, mesmo que se passem em Salvador. “Os contos são universais. Embora tratem de Salvador e tenham as especificidades da cidade, uma pessoa de Montevidéu, Buenos Aires, Lima e até mesmo de Barcelona poderão ler esses contos e conseguir se identificar, porque de alguma forma as metrópoles urbanas repetem determinadas estruturas que eu acho que os contos captam muito bem”, afirmou.

Literatura como espaço político

Além de comunicador e escritor, Jean Wyllys também atuou por um tempo na política brasileira. Ele assumiu o cargo de deputado federal por dois mandatos consecutivos, entre 2011 e 2019, mas abandonou o posto e se mudou do Brasil no último ano, após sofrer graves ameaças.

Jean Wyllys em seu último mandato como deputado, em 2019

Jean Wyllys em seu último mandato como deputado, em 2019 | Foto: Luis Macedo | Câmara dos Deputados

Apesar de ter deixado o Congresso Nacional para se dedicar a outros trabalhos, a essência política e o estilo questionador ainda permanecem vivos nele. Questionado sobre o impacto social que o livro traz, ele afirmou que a literatura sempre terá a missão de politizar e conscientizar a população.

“A minha escrita é, antes de tudo, literária, mas eu acho que toda literatura de verdade é política, né? E quando eu digo política, não tem que ser panfletária. O meu livro não é nada panfletário, ele não tem nada de panfleto. É um livro sobre histórias humanas. Como eu disse, essas histórias humanas acabam refletindo as mazelas que a gente enfrenta e também as lutas que a gente empreende contra as mazelas”, explicou.

“Os corpos LGBTs, negros, periféricos que aparecem como oprimidos, eles não aparecem porque eu tô me posicionando necessariamente politicamente a favor dessas pessoas, embora eu me posicione. Eles aparecem porque essas são as histórias que eu observei. Histórias que não são verdadeiras, não aconteceram e seguem a imaginação criativa de um escritor, mas são histórias que refletem o que um escritor viveu e experimentou”, reforçou.

Jean também ressaltou que não escreve para agradar as minorias, mas sim contar todos os lados de uma história. “Quando eu me posiciono como escritor, eu me posiciono como ficcionista e na minha ficção tudo é possível. Eu não vou falar aquilo que agrade as minorias. A ideia não é fazer um panfleto ou uma propaganda em favor das minorias”, afirmou.

Eu não vou falar aquilo que agrade as minorias

Jean Wyllys

“É contar histórias que têm minorias e maiorias. Que tem ricos e pobres com humanidade. Pretos, pardos, mulheres que são vítimas de misoginia, ou seja, as contradições humanas. Então, eu diria que não é um panfleto e eu nem gosto da literatura de panfleto. Essa literatura panfletária não me agrada”, disparou.

Espaço LGBT+ na literatura

Por fim, Jean Wyllys comentou sobre o espaço atual para pessoas negras e LGBT+ na literatura brasileira, reforçando que estes novos escritores precisam entregar histórias que acrescentem algo interessante na vida do leitor.

As pessoas precisam ler. Não basta falar de si, leiam também quem escreveu antes de você e já ajudou a sedimentar uma história

Jean Wyllys

“Eu diria assim, para novos sujeitos do discurso, tem um espaço cada vez maior para essas pessoas, mas eu acho que também esses novos sujeitos, não vou dizer nem de mim, porque eu já sou velho. Eu tenho 51 anos, não é minha geração, é a geração que vem depois de mim”, disse.

“Essa nova geração também tem que trazer algo novo. Acho que não basta a literatura de testemunho, né? A literatura serve ao testemunho, ela pode elaborar traumas pessoais, mas ela tem que ir além disso, eu acho que ela tem que imaginar mundos”, completou.

“Essas vozes têm que existir, mas essas vozes não têm que se contentar com a caixa que dão para elas. Com o lugar que o próprio mercado editorial quer que elas se coloquem. A gente também precisa ter repertório, pois o conhecimento liberta. Eu acho que as pessoas precisam ler. Não basta falar de si, leiam também quem escreveu antes de você e já ajudou a sedimentar uma história”, concluiu.

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