Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas destacam que a cultura afrodescendente molda o continente latino-americano, mas a elite local ainda acredita ter mais relação com o europeu.
Além dos povos originários e dos colonizadores europeus, a América Latina tem em sua formação territorial e étnico-social, a presença indígena e a presença africana oriunda do período escravagista da época colonial. Essa presença é marcante em países como Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador, entre outros.
Na América Latina, o Brasil é o país que tem a maior população afrodescendente, devido ao passado escravagista, tendo sido o maior consumidor de vidas negras africanas, conforme aponta ao podcast Mundioka Eduardo Parga, doutor em história pelo Programa de Pós-Graduação em História da (UERJ).
“Estimativas que vêm do IBGE apontam mais de 50% da população brasileira se identificando como preta ou parda. E nesse sequestro de milhões que houve na história da escravidão transatlântica esses indivíduos perderam completamente suas raízes em África. Chegaram aqui em uma realidade muito violenta”, afirma.
Ele explica que muitas etnias africanas se encontraram aqui, e tiveram de recriar relações, o que acabou criando novas identidades.
“A cultura afro-brasileira que vai surgir molda intensamente essa identidade nacional brasileira. Na cultura, a humanidade se manifesta, eles retomam a sua dignidade humana numa situação trágica de escravidão.”
Após a abolição, aponta o especialista, em vários países latino-americanos não houve nenhum programa social destinado à inclusão essas populações, e elas tiveram de se organizar para pressionar e conquistar sua cidadania. Nesse contexto, ele afirma que movimentos afro-latinos, como o Movimento Negro Unificado, fundado em 1978, combatem o racismo e promovem a igualdade racial.
“Nós temos também já uma organização multinacional na América Latina, Redes Mujeres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e De La Diaspora. Elas combatem a violência de gênero, racismo institucional, e procuram empoderar a mulher negra. Na Colômbia, você tem o Processo de Comunidades Negras, o PCN, eles trabalham com a defesa dos territórios ancestrais”, afirma.
Aline Souza, doutoranda em ciências sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e mestra em direitos humanos e cidadania pela Universidade de Brasília (UnB), destaca que no Brasil ações afirmativas chegaram em uma melhor forma nas universidades, mas em concurso de docentes nas instituições a aplicação de cotas ainda é um tema complicado.
“Nas instituições de justiça também é muito difícil isso ser aplicado. Eu acho que não tem legislação específica para as instituições de justiça na questão da política. Então, por mais que tenham ações além das ações afirmativas, tenham propostas além de ações afirmativas, as próprias ações afirmativas não estão em todos os lugares”, afirma.
Ela acrescenta que na América Latina as elites acreditam profundamente que têm mais relação com a construção do europeu do que com a ideia de ser latino.
“Essas pessoas dessas elites acreditam que são brancas europeias. Elas não se entendem como latino-americanas, pertencentes ao Sul Global. E que são vistas racialmente nesse lugar. Elas são racializadas também, mas elas não querem perceber isso.”
No recorte do Brasil, ela afirma que a imagem do negro subjugado, inferiorizado, com naturalização da violência contra seus corpos foi fortemente construída através dos séculos, o que torna difícil a desconstrução.
“Porque foi muito bem construído, tem muitos séculos de construção dessa ideia de inferiorização, de subjugação racial, de violência, de naturalização de violência contra esses grupos. E aí é um desafio muito grande pensar em quais seriam as alternativas.”
Souza afirma que o mito da democracia racial traz uma ideia de convivência harmônica que é desconstruída quando se percebe que determinados espaços não são ocupados por pessoas negras, a não ser em posições de subalternização. Dessa forma, o mito da democracia racial acaba permitindo a perpetuação de privilégios.
“Porque é isso, quem está se privilegiando dificilmente vai querer mudar, vai querer mudar esse lugar. Por isso que o mito da democracia racial continua tão firme, porque ele é difundido de diversas formas para as pessoas. As pessoas não querem briga por causa da questão racial”, explica.
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