Em seu (des)governo, Jair Bolsonaro fez o que sempre disse que faria. Destruiu políticas públicas, desmontou o Estado brasileiro e comandou uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado. Falhou, e agora ele e seu grupo de conspiradores, militares de alta patente e assessores de primeiro escalão estão no banco dos réus. O que deveria ser apenas um país cuidando de sua vida, julgando criminosos pelos crimes que cometeram, é algo inédito no Brasil. Pela primeira vez, os mais altos líderes de um movimento golpista encaram um julgamento no Supremo Tribunal Federal. Este 2 de setembro de 2025, data do início do julgamento do “núcleo duro” do golpe, já é um dia histórico.
Ao lado de Bolsonaro, estão sendo julgados seu candidato a vice em 2022 e ex-ministro da Casa Civil general Walter Braga Netto; o ex-ministro do GSI general Augusto Heleno; o ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira; o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier; o ex-ajudante de ordens do ex-presidente tenente-coronel Mauro Cid; o ex-ministro da Justiça e ex-delegado de polícia Anderson Torres; e o ex-diretor da Abin, deputado e delegado de polícia Alexandre Ramagem.
Um almirante, três generais, um tenente-coronel e dois policiais, liderados por um ex-capitão do Exército que planejou atentados terroristas contra instalações militares quando estava na “ativa”. “Nunca antes na História deste país”, como diria o presidente Lula, senhores de tão alta patente haviam sentado no banco dos réus após uma tentativa de golpe. Este é um fato inédito que os livros escolares não poderão ignorar, como omitiram em outros tempos tenebrosos.
Nosso passado ensina que o futuro é sem anistia: entre os algozes da nossa democracia em 1964 estavam os anistiados de Aragarças e Jacareacanga. Os torturadores e assassinos do longo período de trevas foram anistiados junto com suas vítimas em 1979; sob uma ditadura já desmoralizada mas ainda violentíssima, era o possível a ser feito.
Mas a ausência de punição teve uma consequência dramática: a sustentação de seu representante numa campanha eleitoral e a perpetuação do golpismo. Estes senhores de alta patente sentados agora no banco dos réus são todos filhotes e herdeiros dos porões daquela ditadura. Tentaram imitar seus antecessores articuladores, executores de golpe, torturas, desaparecimentos, cerceamento das liberdades. A novidade é que, desta vez, estão sendo julgados por isso. E o mundo está assistindo com muita atenção, pois há neste processo um exemplo e uma saída para fortalecer a democracia, que está sob ataque em diversos países.
O julgamento do golpe bolsonarista é um medidor de forças crucial entre a resistência democrática e a extrema-direita organizada globalmente. Enquanto os golpistas brasileiros estão no banco dos réus, Donald Trump está de volta à Presidência. O tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil por não suspender os inquéritos contra Bolsonaro, articulado com seu clã e contra a soberania e a democracia brasileiras, é uma reação a isto e ao que significam as políticas interna e externa brasileiras. Somos um exemplo de como as democracias não morrem, indicou a revista (conservadora) The Economist na semana passada, quando estampou em sua capa um Bolsonaro caracterizado como invasor do Capitólio e a cristalina manchete O que o Brasil pode ensinar à América.
Os caminhos abertos pelo Brasil na resistência democrática incluem autonomia financeira, soberania tecnológica, digital e cultural. Por isso, o Pix e a tentativa de regular as big techs (que o mundo também observa e estuda com atenção) são tão atacados pela direita, comprometida apenas com interesses estrangeiros e representada no Congresso por uma oposição mesquinha, incapaz de reagir à altura aos desafios que os ataques patrocinados pelo bolsonarismo à nossa soberania exigem.
Com o julgamento das próximas semanas, o Brasil dará ao mundo e, principalmente, a si próprio um exemplo de Justiça e de contenção ao avanço da extrema-direita. Queremos construir um novo modelo de sociedade, livre do fardo sem esperanças do neoliberalismo. Somos um país que acredita na soberania das nações, nas relações multilaterais entre os países, em busca de um mundo mais justo e equilibrado, livre de guerras, da fome e da miséria. Mas não iremos adiante sem acertar contas com o nosso passado.
Descobrimos a duras penas que a impunidade é a mãe do extremismo. Mas não vivemos mais num regime de exceção. Não precisamos aceitar acordos ou chantagens para assegurar a nossa democracia, seja de grupos extremistas brasileiros ou potências estrangeiras. Temos uma Constituição que protege nossa República e cumpriremos suas determinações, com uma Suprema Corte que segue firme, apesar das pressões indevidas e indignas. Temos um governo altivo, forças políticas e partidos sérios, uma sociedade mobilizada e verdadeiramente patriótica. Não temos mais o direito de repetir os erros do passado, nem de aceitar falsos patriotas, que tentam subverter verdades ao mesmo tempo que cometem crimes de lesa-pátria, pelos quais também deverão ser punidos.
Por isso, bradamos sem parar e sem negociação desde 8 de Janeiro de 2023: SEM ANISTIA PARA GOLPISTAS!
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