Putin propõe conversas diretas com Ucrânia em Istambul na próxima quinta-feira – CartaCapital

A guerra da Rússia contra a Ucrânia trouxe para o centro das atenções um terceiro país, menor em território do que o estado do Rio de Janeiro. Localizado entre a Ucrânia e a Romênia, o conflito tirou a pequena e empobrecida Moldávia da periferia das negociações europeias, e levou o país a ser um candidato à União Europeia e a passar a receber ajuda de países-membros da Otan.

A ascensão do país como ponto sensível na segurança europeia se estabeleceu já em 2022, quando Moscou deu indicativos de que poderia abrir uma segunda frente contra a Ucrânia via território moldavo. Esse movimento colocaria tropas russas próximas à Romênia, ampliando sua pressão sobre mais uma fronteira da Otan.

A influência do Kremlin sobre a Moldávia, militarmente indefesa diante do poderio de Moscou, tem seu alicerce na Transnístria, região separatista pró-Rússia localizada no leste do país, onde há presença de tropas russas desde os anos 1990.

A invasão à Ucrânia elevou as preocupações sobre a presença russa na região e, em diversos momentos, o Ocidente acreditou que a Moldávia seria o próximo alvo do líder russo Vladimir Putin.

Com isso, o país recebeu atenção inédita. Em 2022, a empobrecida ex-república soviética passou a ser citada como candidata à adesão à União Europeia. Em fevereiro de 2023, a presidente moldava, Maia Sandu, foi convidada de honra de Joe Biden a uma reunião da Otan. Na mesma semana, Putin anulou um decreto de 2012 no qual o Kremlin garantia a soberania da Moldávia.

No ano seguinte, o país atravessou um pleito presidencial marcado por ataques híbridos pró-Rússia. Em mais de uma oportunidade, o Kremlin acusou Sandu, política pró-UE reeleita na ocasião, de servir ao Ocidente e de transformar a Moldávia em um “projeto antirusso”.

A preocupação se mantém diante do impasse das negociações pelo fim da guerra. O chanceler federal alemão, Friedrich Merz, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, viajaram ao país nesta segunda-feira 27 para participar das comemorações de seu Dia da Independência – um gesto de apoio considerado histórico.

Entenda as principais questões que colocam a Moldávia no centro do conflito russo.

Como a Moldávia se tornou um Estado independente?

A maior parte do atual território da Moldávia, situado entre os rios Dniestre e Prut, pertencia historicamente ao Principado da Moldávia, cuja parte ocidental hoje faz parte da Romênia, membro da Otan.

A região entre os dois rios passou a ser conhecida como Bessarábia, derivado da dinastia medieval Basarab. Em 1812, após um conflito entre o Império Russo e o Otomano, a região da Bessarábia foi anexada pelos russos e permaneceu sob seu domínio até a Revolução Russa de 1917.

Em dezembro daquele ano, a queda do czarismo levou à proclamação da República Democrática da Moldávia. Mas a nova nação teve vida curta e, em abril de 1918, decidiu pela união com a Romênia.

Com a perda da Bessarábia para a Romênia, revolucionários pró-soviéticos estabeleceram a República Autônoma Socialista Soviética da Moldávia, em 1924, ocupando um pequeno território a leste do rio Dniestre, onde hoje é a Ucrânia.

Em 1940, em consequência do pacto de não agressão Germano-Soviético (também chamado de pacto Hitler-Stálin), a União Soviética ocupou novamente a região e criou a República Socialista Soviética da Moldávia, incorporando a Bessarábia e partes da antiga República Autônoma Socialista Soviética da Moldávia.

Finalmente, em 27 de agosto de 1991, poucos dias após o fracasso do golpe de Estado na União Soviética, a Moldávia declarou sua independência.

Um conflito entre o país-recém independente e separatistas da Transnístria, região que antes compunha a antiga república moldava pró-soviética, irrompeu já no ano seguinte, levando à presença de tropas russas no local.

Moldávia ou República da Moldávia?

O nome “Moldávia” remonta ao termo latino medieval usado para o antigo Principado da Moldávia. No entanto, como designação do país moderno, está fortemente associado à palavra russa “Moldawija”, consagrada durante o período em que a região esteve sob domínio da União Soviética.

Esse vínculo evoca memórias do stalinismo, marcado por massacres, deportações em massa de moldavos, além de política que tentou suprimir a identidade romena local. Em razão disso, em documentos oficiais internacionais, o país usa o termo “República da Moldávia”, denominação defendida pelos representantes do Estado como expressão de soberania e afastamento do legado soviético.

Quais grupos étnicos vivem na Moldávia?

Os moldavos representam hoje cerca de três quartos dos aproximadamente 2,9 milhões de habitantes – população total que inclui a Transnístria. Eles falam romeno em um dialeto ligeiramente diferente na pronúncia, mas sem alterações gramaticais ou lexicais relevantes. As principais minorias étnicas são os ucranianos, seguidos por gagaúzes, russos e búlgaros.

Romeno ou “moldavo”?

Por ser praticamente idêntico ao romeno, o chamado “moldavo” não é reconhecido como língua distinta. Durante mais de três décadas, a denominação foi motivo de disputa política: até 2023 a Constituição do país definia sua língua oficial como “moldava”. Alguns ex-presidentes insistiam que não falavam romeno.

Em 2013, contudo, a Corte Constitucional do país determinou o romeno como língua oficial, decisão que abriu caminho para a mudança constitucional dez anos depois. Na prática, na forma escrita, utiliza-se exclusivamente o romeno padrão.

Discriminação contra russófonos?

Embora não seja língua oficial, o russo manteve-se por muitos anos como a principal língua de comunicação em algumas regiões, enquanto o romeno era tomado como uma “língua de camponeses”. Não houve, no entanto, discriminação sistemática contra os falantes de russo.

O conhecimento do romeno é exigido para funcionários públicos e algumas profissões do serviço estatal, mas muitos falantes de russo ainda não cumprem essa exigência. O Estado moldavo não aplica sanções e oferece cursos gratuitos de romeno para incentivar seu aprendizado.

Em que consiste o conflito da Transnístria?

Entre 1989 e 1991, com o fortalecimento do movimento nacional romeno na então República Socialista Soviética da Moldávia, surgiram disputas dentro do Partido Comunista, dividindo reformistas e políticos pró-Moscou.

Ainda antes da independência da Moldávia, os setores favoráveis aos soviéticos proclamaram um regime separatista na Transnístria, alegando discriminação contra russófonos e resistência a uma possível reunificação com a Romênia.

Quando o Exército moldavo e as forças de segurança tentaram reprimir os separatistas em 1992, tropas russas, estacionadas desde a era soviética na Transnístria, entraram no conflito, marcando a primeira guerra pós-soviética da Rússia contra um país independente.

Após um cessar-fogo em julho de 1992, se estabeleceu na Transnístria um regime não reconhecido internacionalmente nem oficialmente pela Rússia. O governo é controlado por oligarcas locais e ex-agentes – e alguns ainda ativos – dos serviços secretos russos, e mantido principalmente pelo fornecimento de gás russo, que tem que ser pago pela Moldávia.

Em janeiro de 2025, a Ucrânia interrompeu o fluxo de gás russo que passava por seu território, afetando principalmente a Transnístria. Sandu, presidente da Moldávia, ofereceu ajuda humanitária aos residentes, mas as autoridades locais, ligadas a oligarcas que mantêm laços com Moscou, recusaram.

Embora os moldavos constituam a maioria relativa da população, o russo é, na prática, a única língua de uso público, e o romeno escrito com alfabeto latino é proibido.

Gagaúzia e os gagaúzes

Os gagaúzes são um povo de língua turcomana e fé cristã ortodoxa, com cerca de 200 mil pessoas. Aproximadamente 150 mil vivem no sul da Moldávia, para onde migraram nos século 18 e 19 de áreas onde hoje é a Bulgária.

Movimentos separatistas gagaúzes eclodiram em 1991, após a independência da Moldávia, mas foram resolvidos em 1994 com a concessão de um estatuto de autonomia. O modelo, um dos mais amplos da Europa, subordina a Gagaúzia ao governo central moldavo apenas nas áreas de política externa, segurança e moeda.

Atualmente os gagaúzes também são em sua maioria russófonos e pró-Rússia, o que gera frequentes conflitos com o governo moldavo.

Rússia intensifica propaganda

Durante décadas, o fornecimento de gás russo e os embargos arbitrários às exportações agrícolas moldavas foram os instrumentos usados pelo Kremlin para forçar suas políticas no país. Hoje, a proximidade com a Europa diminuiu a influência russa na região.

Em contrapartida, a Rússia intensificou sua guerra híbrida e campanha de propaganda por meio de partidos e políticos pró-Rússia, como o ex-parlamentar Ilan Shor. Ele é acusado de desempenhar um papel central na interferência russa durante o referendo nacional moldavo, que decidiu, por uma margem estreita de apenas 50,46%, que o país iniciaria negociações para a adesão à União Europeia.

Reunificação com a Romênia?

Cerca de 860 mil cidadãos moldavos também têm a cidadania romena, incluindo Maia Sandu.

Uma reunificação entre Moldávia e Romênia, porém, não está nos planos. Segundo pesquisas de 2025, cerca de 60% da população moldava é contra. Na Romênia, persiste um sentimento de superioridade cultural em relação aos moldavos. À época da unificação, a chamada “Grande Romênia”, a Bessarábia era frequentemente vista como uma província atrasada, para onde funcionários públicos romanos eram enviados como forma de punição.

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