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Entre os setores da agroindústria brasileira mais afetados pelo tarifaço americano, a indústria de processamento de cacau deve amargar perdas de aproximadamente R$ 180 milhões com a medida imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, segundo cálculos do setor.

Para além do prejuízo, a imposição da alíquota linear de 50% sobre produtos brasileiros pode inviabilizar a cadeia de produção de derivados do fruto caso a taxação seja mantida em médio prazo. 

Isso porque a estrutura produtiva do setor depende da moagem das amêndoas, cujo subproduto principal é a manteiga de cacau, derivado fortemente demandado pelo mercado americano, que concentra praticamente 100% das exportações brasileiras do item.

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Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), explica que, com o novo cenário tarifário, o mercado americano, segundo principal destino dos derivados brasileiros e responsável por 18% das exportações do setor, torna-se economicamente inviável. 

Em 2024, as exportações de derivados de cacau para os Estados Unidos somaram US$ 72,7 milhões (cerca de R$ 363 milhões). Somente no primeiro semestre de 2025, os embarques já alcançaram US$ 64,8 milhões (R$ 325 milhões), mais de 25% do total exportado no período pelo setor.

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Sem a possibilidade de redirecionamento das exportações, as empresas ficam impossibilitadas de manter a produção em pleno funcionamento, o que amplia significativamente a ociosidade industrial e compromete empregos e investimentos nas principais regiões produtoras, concentradas nos estados da Bahia, Pará e São Paulo.

Estimativas da AIPC apontam que a ociosidade média da indústria processadora, que já é elevada devido à escassez de amêndoas, pode saltar para 24%, com possibilidade de atingir até 37%, considerando os dados de 2024. Esse cenário agrava a crise já enfrentada por um setor pressionado por quebras de safra e alta nos preços das amêndoas no mercado interno.

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Com tarifaço, Brasil pode ter de reduzir produção e importar derivados de cacau 

A indústria brasileira processa cerca de 250 mil toneladas de cacau por ano, enquanto a produção anual varia entre 180 mil e 200 mil toneladas do fruto. Essa diferença é resolvida com a importação da amêndoa sob o regime de drawback. Nessa modalidade, o produto pode ser importado com isenção tributária, desde que utilizado como insumo para a produção de derivados, com maior valor agregado, destinados à exportação.

Cada três toneladas de amêndoa de cacau rendem uma tonelada de manteiga, explica Anna Paula. A demanda interna pelo subproduto corresponde a cerca de 80% da produção, enquanto o restante é praticamente todo destinado aos Estados Unidos. 

“Quando eu perco 20% do mercado consumidor do cacau processado, essa conta fica desequilibrada”, diz. “Se eu não tenho destino para essa manteiga e o mercado interno está abastecido, eu tenho que repensar meu volume de moagem.” 

Antes do anúncio do tarifaço, o setor trabalhava com a perspectiva de ampliar a capacidade instalada de processamento, diante da tendência de aumento na produção. 

O Plano Inova Cacau, iniciativa lançada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) em novembro de 2023, prevê investimentos para o aumento da produção nacional do fruto para 400 mil toneladas anuais – o dobro da média atual – até 2030. 

“Com a perda do mercado americano, ao invés de pensar em aumentar a moagem, temos que começar a avaliar a redução”, afirma a presidente-executiva da AIPC. 

Uma redução no processamento para evitar o excesso de manteiga, no entanto, levaria a uma diminuição na produção do pó de cacau, muito demandado pelo mercado interno. Como consequência, o Brasil pode precisar aumentar as importações do pó. 

“Então, se a gente importava matéria-prima para industrializar e agregar valor, talvez tenhamos que reduzir a importação de amêndoas e, em contrapartida, ampliar a compra do derivado estrangeiro que poderia muito bem ser produzido localmente”, explica a executiva. “Isso causa uma desestruturação em toda a cadeia, que já está em um momento de recuperação.” 

A perda do mercado americano inviabiliza o cumprimento de diversos atos concessórios no regime de drawback, com vencimentos entre dezembro de 2025 e março de 2027, gerando insegurança jurídica, risco de multas e aumento expressivo nos custos operacionais. 

Redirecionamento de exportações de derivados de cacau é inviável 

O redirecionamento das exportações é praticamente inviável para o setor. A manteiga de cacau, por ter mais valor agregado, é importada principalmente por mercados mais desenvolvidos, enquanto outras economias consomem principalmente o pó de cacau. 

A União Europeia, grande consumidora da manteiga, não é uma alternativa, uma vez que os europeus são os maiores produtores de derivados de cacau do mundo. 

Além disso, a manteiga de cacau brasileira é taxada em 8% no mercado europeu, o que torna inviável a concorrência com a produção interna do bloco econômico e de indústrias africanas e asiáticas, isentas de tarifa de importação. Em países asiáticos, o produto brasileiro também não é competitivo com concorrentes da região.

“A gente era competitivo nos Estados Unidos porque não havia tarifa de importação. De repente, de 0% a gente passa para 50%”, diz Anna Paula. Como a produção dos principais concorrentes brasileiros acabou com uma taxação inferior, ela considera que o Brasil, na atual situação, está fora do jogo para os americanos. 

Outro fator complicador no caso do cacau, diferentemente de commodities como o café, é que o volume negociado anualmente com os Estados Unidos, apesar de relevante para a indústria brasileira, pode ser facilmente obtido pelo mercado americano de outros fornecedores. 

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O setor de processamento de cacau gera cerca de 200 mil empregos, dos quais 40 mil diretos e 160 mil indiretos. A receita bruta anual gira em torno de R$ 21 bilhões, segundo a AIPC. 

No campo, são cerca de 90 mil produtores, principalmente pequenos e médios, concentrados nos estados da Bahia e do Pará.

Para o setor, o plano de contingência que o governo federal trabalha para mitigar os efeitos do tarifaço na economia brasileira pode representar um alívio. Mas Anna Paula deposita nas relações diplomáticas a esperança de que o tarifaço sobre os derivados de cacau do Brasil seja revista pelos Estados Unidos. 

Um aceno do governo americano veio do secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, que, ainda antes da vigência da taxação sobre os produtos brasileiros, afirmou que produtos incapazes de serem produzidos em solo americano, citando o cacau entre eles, poderiam ser isentos.

“Talvez não agora, mas em um futuro de médio ou longo prazo, acredito que as tarifas não vão perdurar”, diz a presidente-executiva da AIPC. 

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