Especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil avaliam que países da região devem buscar dissuasão contra grandes potências, embora diferenças de realidade dentro do próprio continente pesem a essa união.

As forças aéreas de Colômbia e Peru encomendaram os caças suecos Gripen, fabricados pela Saab. As nações sul-americanas se juntam ao Brasil que, desde 2022, possui aeronaves operacionais da empresa como parte da frota militar do país.

O contrato da companhia sueca com o governo brasileiro prevê a transferência de tecnologia e o treinamento de engenheiros, técnicos e pilotos. A Embraer, principal braço da indústria aérea brasileira, comanda atualmente o desenvolvimento, a produção e os testes do Gripen E na fábrica de Gavião Peixoto, no interior de São Paulo.

A parceria entre Embraer e Saab deve, inclusive, servir como base para a produção dos Gripen a serem utilizados na Colômbia e no Peru. Essa possibilidade levanta a seguinte pergunta: estamos próximos de alcançar uma Base Industrial de Defesa (BID) sul-americana?

Antes de aprofundar o assunto, é importante explicar o conceito de BID. De acordo com o Ministério da Defesa, BID é o “conjunto das empresas estatais ou privadas que participam de uma ou mais etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa”.

Ou seja, ter uma BID sul-americana significa integrar a cadeia de suprimentos bélicos do continente a partir de companhias ligadas tanto ao Estado como à iniciativa privada. Para especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil, seria importante ter uma base industrial continental, mas uma série de fatores — em especial, políticos e econômicos — travam esse cenário.

José Augusto Zague, membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), explica que já houve tentativa de criar uma BID da América do Sul na União de Nações Sul-Americanas (Unasul), no início dos anos 2010. O projeto não foi para frente devido ao afastamento ideológico das nações do continente ao longo da última década.

“Esse processo de integração tinha um objetivo político, mas também tinha alguns projetos de desenvolvimento de tecnologias na área militar; por exemplo, um avião de treinamento chamado Unasul-1, um drone sul-americano… Tudo isso foi discutido. Inclusive, foi feito desembolso de recursos para esse avião de treinamento, em que Brasil, Argentina, Equador e Venezuela participavam.”

Outra questão que Zague levanta para a dificuldade do desenvolvimento de tecnologia militar conjunta na América do Sul é a diferença da capacidade industrial dos países do continente. Segundo o especialista, apenas Argentina e Brasil tiveram uma industrialização clássica, enquanto outras nações da região implementaram o processo de maneira mais tardia.

“O desenvolvimento de uma Base Industrial de Defesa demandaria a existência de iniciativas na área da produção de armamentos por outros países sul-americanos que pudessem justificar a produção colaborativa. Senão, a participação desses países vai ser mínima. […] Eles estão muito distantes de ter capacidade para desenvolver um desenho industrial próprio que seja capaz de criar uma base industrial.”

Hélio Farias, professor de economia de defesa e geopolítica no Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME), acredita que o atual acirramento da competição entre grandes potências faz com que uma integração mais estreita entre países sul-americanos seja uma importante decisão estratégica. Para o professor, esforços na indústria de defesa permitiriam ampliar a escala e a diversidade da produção bélica. Para isso, no entanto, é preciso dinheiro e estratégia.

“Os principais obstáculos residem nas restrições orçamentárias e na ausência de políticas industriais contínuas, capazes de sustentar projetos de longo prazo, como os do setor de defesa, que exigem planejamento estratégico e previsibilidade na alocação de recursos.”

Farias ressalta que uma BID da América do Sul, além de fortalecer a autonomia regional, também traria impactos positivos para a economia, como a geração de empregos qualificados, e, para a tecnologia, com a introdução de políticas de inovação.

“Os países da América do Sul precisam ter um investimento em defesa que seja compatível com sua importância geopolítica no cenário internacional, de modo que assegurem capacidades de dissuasão diante da projeção de poder de potências extrarregionais.”



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