GABRIELA CECCHIN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O morango do amor, nova tendência nas redes sociais, tem feito confeiteiras faturarem entre R$ 20 mil e R$ 70 mil em uma semana, elevando vendas em uma época de retração sazonal e atraindo até mesmo gigantes da confeitaria, que também buscam lucrar com essa febre.
“É uma loucura, parece Páscoa”, diz a confeiteira Neliane Carvalho dos Santos Santiago, 34, dona da Neli Doces, na zona oeste da capital paulista.
A receita, que tem a fruta envolvida por brigadeiro branco e calda de açúcar, é inspirada na maçã do amor, famosa nas festas juninas, e está fazendo pequenas empresárias expandirem seus negócios.
Neli passou a vender morangos do amor no início do mês, depois que um amigo contou da popularidade do doce na internet. Agora, a atividade envolve toda a família. Começaram produzindo 20 unidades por dia e hoje fabricam entre 130 e 150. Cada uma é vendida por R$ 13.
A confeiteira atende a pedidos somente por delivery e prepara a guloseima na cozinha de sua própria casa, no bairro Rio Pequeno. Ela montou a confeitaria há quatro anos, depois de sair do antigo trabalho como babá para passar mais tempo os filhos.
No final de junho, o marido José Iris Graciano Santiago, 42, também pediu demissão do emprego de motorista particular e agora se dedica exclusivamente à confeitaria.
“Eu precisava dele aqui, porque era tudo comigo. Cozinha, marketing, contabilidade, mercado, foto, tudo. Ele me ajudava nas entregas nos fins de semana, mas de dia, precisava trabalhar”, conta Neli.
Quando decidiram investir só na empresa, as vendas caíram. “O meio do ano não é tão bom. Chegou um dia em que estávamos com mais de 30 copos de doce sobrando, que não conseguíamos vender. Aí chegou o morango do amor, e foi essa loucura. Subiu as nossas vendas de tal maneira que temos clientes novos todos os dias”, diz.
“As massas dos brigadeiros descansam, mas a gente não”, brinca.
Regiane Caruto, 45, dona de uma confeitaria em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, desde 2018, nunca tinha trabalhado com o morango do amor, mas não resistiu ao apelo do público. “Os clientes ficaram enlouquecidos. Quem não conseguiu comprar nos primeiros lotes até brigou com a gente”, afirma.
Ela começou a produção no último sábado (19) e, em cinco dias, vendeu mais de mil unidades com preços que começaram a R$ 16,99, mas já chegam a R$ 20. O faturamento até agora foi de aproximadamente R$ 20 mil só com os morangos.
Regiane já prepara novos lançamentos inspirados na iguaria, como o bombom de uva do amor e o morango do amor com brigadeiro preto.
A confeiteira Taiana Santos, 26, proprietária da Doces da Tai –que acumula 2,5 milhões de seguidores no TikTok–, começou a vender o doce em junho, assim que soube da tendência nas redes sociais, e comemora os resultados.
Bruna Fernanda de Jesus Silva, 31, chef de cozinha na Brigaderia Chic, em Araucária (PR), diz ter desenvolvido o morango do amor em 2019, e afirma que o produto entrou no cardápio fixo da empresa ainda em 2020. “Podemos dizer que somos precursores deste doce nas confeitarias do Paraná”, afirma.
A chef conta que faturou R$ 70 mil só com a venda da sobremesa desde o último dia 19, um sábado. “Eu comecei vendendo doces há 14 anos. No começo, ia de porta em porta, e sempre percebi que os produtos à base de morango tinham uma aceitação diferenciada entre o público”, afirma Bruna.
Ela conta que costumava vender de 150 a 300 unidades do morango do amor por semana. Agora, a média é de 350 a 400 por dia. Na quinta (24), a confeitaria bateu seu recorde, com 870 morangos comercializados, tanto que precisou suspender as entregas do fim da tarde. O custo vai de R$ 18 a R$ 20.
A Sodiê Doces, franquia com 400 lojas no Brasil e duas nos Estados Unidos, também entrou no mercado de morangos do amor. No primeiro dia de lançamento, segundo a empresa, foram vendidas 8.000 unidades.
A procura foi tamanha que a fruta pode faltar não só nesta receita, mas em outras. “Por se tratar de um item feito com morangos frescos, sua disponibilidade pode variar conforme a sazonalidade da fruta e a logística de cada unidade”, diz a empresa.
Alguns clientes que buscavam outros doces feitos com morango na franquia relatam que a fruta estava em falta –especialmente com a campanha de descontos Festival de Morango, que começou antes da viralização.
A Amor aos Pedaços, outra gigante da confeitaria, no ramo há mais de 40 anos, tem visto filas em suas lojas em busca da sobremesa.
DE ONDE SAIU A TENDÊNCIA?
Especialistas afirmam que é difícil dizer qual foi o primeiro vídeo com o morango do amor que viralizou. No Google Trends, as buscas pelo produto começaram a subir lentamente na última semana de junho, mas só escalaram em meados de julho. No TikTok, há vídeos populares datados de maio.
Algumas doceiras afirmam que a moda tem a ver com a festa junina e com o período de venda da fruta, comum no inverno.
“Eu já conhecia o morango do amor, ele aparece sempre no meio do ano, porque o pessoal faz a comparação com a maçã do amor. Ano passado já estavam vendendo, mas eu ainda não tinha me rendido”, diz Verônica Silva, 34, proprietária do Delícias da Veêh, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
Ela começou a produção na última semana e chegou a vender cem unidades em um único dia, por R$ 14,90 cada.
Nas redes, algumas pessoas relatam conhecer o doce desde crianças, outras apontam alguns nomes como criadoras. A empresária Tânia Cristina Passos, 39, conta que recebeu o título de pioneira após o ChatGPT indicar seu nome.
“Muita gente perguntou para a inteligência artificial quem criou o morango do amor, e viram que meu nome apareceu por lá. Desde então, eu comecei a receber muitas mensagens no Instagram e o movimento começou”, conta a dona da Brigsmores Brigaderia, que fica em Santos (SP).
Ela afirma que faz doces caramelizados desde 2021, mas que, no ano passado, teve a ideia de fazer o morango do amor.
“Vendia bem desde o início, mas era esporádico, nos fins de semana. Meu máximo foi de 50 unidades em um dia só. De uns dez dias para cá, a procura aumentou, chegou um momento que a gente não estava dando mais conta de atender tantos pedidos.”
Sua mãe, também doceira e que a ensinou a cozinhar, era a única que colaborava com a produção. Tânia já contratou mais duas pessoas para ajudar nas entregas e no financeiro, mas não foi o suficiente.
Na quarta-feira (23), pediu demissão de seu emprego na área de comércio exterior em uma multinacional alemã e agora é confeiteira em tempo integral.
“Eu não gosto de dizer que fui eu que inventei, porque a gente vive num universo muito grande, que é a confeitaria. Então eu não acho justo levar esse crédito e não estou me promovendo em cima disso; sei que tem lugar para todo mundo.”
MORANGOS EM FALTA
A febre do morango do amor já atingiu os preços da fruta, que vem registrando alta desde o ano passado. Letícia de Oliveira Rosa, 35, comerciante na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) e fornecedora da Neli, diz que a caixa com quatro caixinhas de morango, que costuma custar R$ 20 nessa época do ano, já está R$ 50.
Em junho, o valor do morango aumentou 8,2%, segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). No acumulado do ano, a alta chega a 39,89%.
Luiz Eduardo Antunes, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), afirma que o aumento é comum no primeiro semestre, porque ainda não se colhem os frutos da safra. “O pico da safra de morango é em agosto e setembro no Sudeste, e outubro e novembro no Sul”, diz.
Segundo ele, Minas Gerais é o maior produtor do país, concentrando metade da produção brasileira. Em seguida, vêm as cidades paulistas de Atibaia, Piedade e Jarinu. “A plantação se inicia entre maio e junho, e a colheita é só 60 dias depois. Em julho, já temos a Festa do Morango em Atibaia, mas ainda não é o pico”, conta.
O preço do morango aumenta a cada ano, de acordo com o pesquisador, por fatores como a falta de adubo devido à Guerra da Ucrânia. “A falta de mão de obra tem elevado bastante o custo de produção também. Há cada vez menos pessoas que querem trabalhar abaixadas, plantando e colhendo morango.”
FEBRE PODE PASSAR RÁPIDO?
O professor da faculdade de negócios FIA Business School, Carlos Honorato acredita que as confeiteiras não devem apostar todas as suas fichas no morango.
“Se você tem uma doceria, nada melhor do que aproveitar a moda e criar uma oportunidade de negócio. Mas é uma febre, como a da paleta mexicana, do pistache. Uma hora acaba, as pessoas enjoam.”
Ele acredita que o preço do morango pode subir por um tempo antes que os fornecedores se acostumem com a demanda. “O risco é que, na hora que essa bolha do morango do amor furar, as pessoas vão ficar com morango na mão e o preço vai desabar.”
O segmento empreendedor de produtos de padaria e confeitaria tem crescido nos últimos anos, segundo dados do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Em 2024, foram abertos 40.268 pequenos negócios do tipo, o que representou um crescimento de 17% no número de aberturas se comparado a 2023, com 34.426 aberturas.
CONFEITEIRAS JÁ PENSAM EM ALTERNATIVAS
Algumas proprietárias de docerias olham para o futuro e pensam em alternativas para o doce. Uva do amor, limão do amor e laranja do amor estão surgindo tão rápido quanto os morangos cobertos com brigadeiro preto ou de maracujá.
Bruna Silva, de Araucária, já vende o maracujá do amor. Regiane Caruto, de Santos, prepara novos lançamentos inspirados na febre do morango. E as redes sociais também buscam criar uma nova onda viral.
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