Ícone de Busca

Um reforço importante vai ajudar pesquisadores gaúchos no desenvolvimento de novas tecnologias que utilizam modelos de inteligência artificial (IA) para a agropecuária de precisão. 

Com trabalhos na área desde 2017, um grupo da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) em parceria com a Embrapa Pecuária Sul conta agora com apoio da Nvidia, multinacional com sede nos Estados Unidos e líder global em componentes para em IA.

Selecionado em um programa de fomento a pesquisas acadêmicas, o projeto Terrapampa Smart Systems: Bridging AI and Livestock passa a ter acesso a recursos computacionais de última geração, com valor estimado em R$ 1,2 milhão. O projeto envolve acadêmicos da área de computação aplicada, agrônomos, médicos veterinários, administradores e técnicos agropecuários. 

“Esse fomento internacional reforça que estamos inseridos na fronteira do conhecimento em IA aplicada ao agronegócio”, diz o coordenador das pesquisas, Sandro Camargo, do mestrado em computação aplicada da Unipampa. 

Modelo de IA faz contagem de instantânea de carrapatos em animais 

Um dos modelos foi treinado para fazer a contagem de carrapatos no gado a partir de imagens captadas por uma câmera instalada em áreas de manejo dos animais. 

Hoje o processo é feito geralmente de forma manual por um funcionário da propriedade, o que, além de demandar tempo e custos, pode resultar em erros humanos. 

Com cerca de seis meses de treinamento de um modelo de IA, os pesquisadores já conseguiram um índice de 94% de precisão. “Isso significa de cada 100 carrapatos presentes no animal, o algoritmo detecta entre 94 e 106”, explica Camargo. 

O sistema já funciona em smartphones, mas a ideia é portar a aplicação em um dispositivo que fique fixado em áreas de circulação do gado. “O produtor pode distribuí-lo em dois ou três locais, onde os animais bebem água, por exemplo. A câmera detecta a presença dele e faz a contagem de carrapatos de forma imediata.” 

A partir da contagem e da identificação do animal por meio de um brinco, uma notificação pode ser disparada para informar a presença e a quantidade de carrapatos em cada indivíduo. “O produtor pode definir um limiar mínimo, de 10 carrapatos, por exemplo, para ser notificado.” 

Sistema desenvolvido por pesquisadores do Rio Grande do Sul faz a contagem instantânea de carrapatos em animais por meio de modelo de IA voltado à agropecuária

Melhoramento genético também conta com ajuda de IA 

Em outra frente, os pesquisadores desenvolvem modelos que ajudam no melhoramento genético de bois das espécies Hereford e Braford. Uma das possibilidades já testadas é a da seleção de indivíduos menos sensíveis à exposição solar. 

Períodos com excesso de radiação solar fazem com que animais interrompam a alimentação para se abrigarem em áreas de sombra, o que afeta diretamente no peso do gado. “Há vários anos já se trabalha com um melhoramento genético no sentido de priorizar o acasalamento de animais que têm os chamados ‘óculos’, uma pigmentação vermelha ao redor dos olhos”, explica Camargo.

A quantidade de pigmentação é diretamente relevante para a resistência do animal à exposição à radiação ultravioleta, uma vez que está relacionada ao carcinoma de células escamosas. Um animal menos sensível passa mais tempo na pastagem, ganhando mais peso mesmo em períodos ensolarados. 

Atualmente a avaliação ocular é feita por técnicos especializados que visitam as propriedades e conferem notas na escala de 1 a 5 para cada indivíduo, sendo a primeira para ausência total de pigmentação e a última para nível excelente. Animais com notas 4 e 5 são os mais aptos para reprodução, por gerarem terneiros mais adaptados. 

“O grande problema é que geralmente os especialistas vão em uma fazenda analisar até 500 animais em um dia. Além de levar muito tempo, depois de algum período o olho humano começa a cansar. Há uma questão importante de incoerência inter-avaliador”, diz o coordenador do grupo de pesquisa. 

VEJA TAMBÉM:

  • O que é agricultura espacial e por que o Brasil está enviando plantas para fora da Terra

Um modelo já portado para o sistema Android permite que com um smartphone um técnico ou o próprio produtor, capte a imagem do animal e obtenha de forma instantânea a avaliação do escore para pigmentação ocular, eliminando a possibilidade de erros e otimizando o tempo no processo.  

IA identifica ceratoconjuntivite e anemia bovina 

Outro modelo desenvolvido pelos pesquisadores permite a detecção precoce de ceratoconjuntivite bovina. Em geral, animais que com a inflação da córnea e da conjuntiva ocular não demonstram alterações de comportamento na fase inicial da condição, o que faz com que o quadro seja identificado apenas em um estágio mais avançado. 

Da mesma forma que o sistema para contagem de carrapatos, um algoritmo desenvolvido pelos pesquisadores da Unipampa e da Embrapa, rodando em um dispositivo instalado no campo, pode detectar a passagem de um animal em determinado local e captar sua imagem. 

Uma análise instantânea feita por um modelo de IA treinado já é capaz de fazer a identificação visual de indícios de ceratoconjuntivite ainda que não haja outros sintomas visíveis. 

A mesma técnica, com auxílio de outro modelo de IA desenvolvido pelo grupo, permite a detecção de anemia em animais sem a necessidade de se fotografar diretamente a mucosa ocular de cada indivíduo. 

“A ideia é que a gente possa ter, em qualquer ponto da fazenda, como em um brete [estrutura usada para conter o gado], por exemplo, um minicomputador, do tamanho de um celular e alimentado por energia solar, que vai custar para o produtor entre R$ 700 e R$ 800”, diz Camargo.

“Quando o animal passar por ali, o sistema vai detectar instantaneamente se ele tem carrapato, se tem possibilidade de anemia, de ceratoconjuntivite e várias outras doenças.” O sistema dispensaria a necessidade de um técnico tirar foto de animal por animal. “É a esse ponto que chegaremos em breve. Tudo de forma automática”, afirma. 

Modelo de IA treinado para identificar precocemente ceratoconjuntivite bovina está entre as possibilidades da agropecuária de precisãoModelo de IA treinado para identificar precocemente ceratoconjuntivite bovina está entre as possibilidades da agropecuária de precisão (Foto: Sandro Camargo/Divulgação)

VEJA TAMBÉM:

  • Com pesquisa que substitui químicos por microrganismos, brasileira vence “Nobel da Agricultura”

O pesquisador explica que o treinamento dos modelos de IA envolvem a captura de até duas mil fotos de animais nas estações da Embrapa e o processamento individual de cada imagem. Esse processo levava de semanas a meses, por exigir muitos recursos computacionais, segundo ele. 

Com o acesso à infraestrutura da Nvidia na nuvem, cada hora que necessária para treinar um modelo agora leva cerca de três minutos, o que permite testar novas possibilidades de aplicações, tratar problemas mais complexos e ajustar de modo mais preciso os agentes de IA. 

Modelos também são treinados para detectar pragas na agricultura 

A mesma tecnologia usada na pecuária também pode ser aplicada na detecção de espécies invasoras na agricultura. Outro trabalho desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa envolve a identificação de capim-annoni em pastagens nativas, um problema comum no Rio Grande do Sul. 

A espécie gramínea é considerada uma praga em propriedades rurais e depende de um rápido manejo para se evitar uma infestação, uma vez que uma única planta é capaz de produzir em torno de 14 mil sementes por ano, com viabilidade de 90%.

VEJA TAMBÉM:

  • Desenvolvido por pesquisadores brasileiros, fertilizante de vidro permite liberação controlada de compostos, o que reduz o desperdício e o impacto ambiental.

    Brasileiros criam fertilizante de vidro que reduz desperdício e impacto ambiental no campo

Um modelo de IA já está sendo treinado pelos pesquisadores para detectar a presença da gramínea. A tecnologia pode ser replicada ainda para outras espécies invasoras, como o caruru. Segundo o coordenador da pesquisa, uma imagem pode ser processada em três milissegundos, o que permite a análise de cerca de 350 fotos por minuto. 

No momento, a precisão do modelo é de cerca de 88%, mas o grupo trabalha para levar o algoritmo a um índice de acerto de 98%, o que é Camargo considera plenamente viável com os recursos disponíveis. “É só uma questão de tempo para a gente chegar nesse resultado”. 

A ideia é que os produtos, que já são testados levados a campo, de forma experimental, por meio da Embrapa, sejam disponibilizados no mercado em breve. “É uma tecnologia muito fácil de escalar, porque trata-se basicamente do software, que pode ser instalado em um celular Android ou em um minicomputador alimentado com energia solar.” 

VEJA TAMBÉM:

  • Técnica inédita de modelagem funcional-estrutural permitiu identificar melhor técnica de manejo de irrigação e hormônios vegetais para aumento de qualidade e produtividade de café

    Técnica inédita de “arquitetura de plantas” deixa o café mais gostoso até na seca

Repost

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *