Passados 15 dias do anúncio, as sanções econômicas contra o Brasil impostas por Donald Trump seguem trazendo desdobramentos políticos, jurídicos e econômicos que tomam conta do debate público nacional. A marcha dos acontecimentos tem sido de tirar o fôlego.
O governo Lula reagiu com assertividade em defesa da soberania, rechaçando ingerências externas, acenando com a disposição para negociar de forma pragmática e, não sendo viável, aplicar a reciprocidade. A atitude foi bem recepcionada pela sociedade e até mesmo pela maioria do Congresso Nacional, melhorando as condições para que o Executivo reconstrua uma agenda junto ao Legislativo.
As pesquisas de opinião demonstraram o repúdio popular ao ataque de Trump e a Jair e Eduardo Bolsonaro, agentes políticos brasileiros que tramaram e agiram em conluio com a autoridade estrangeira, traindo os interesses maiores do País para obter vantagens particulares.
Como estes dobraram a aposta e escancararam suas atividades criminosas, não restou ao Supremo Tribunal Federal alternativa que não aplicar medidas cautelares contra Jair Bolsonaro, entre elas restrições de contato e o uso de tornozeleira eletrônica, já que havia justificada apreensão de fuga. Enquanto escrevo estas linhas, a controvérsia se dá pelo descumprimento das determinações, o que poderia até levar o ex-presidente à prisão preventiva.
Se as arenas política e jurídica fervilham, no campo da economia persiste a incerteza a uma semana para que as tarifas entrem em vigor. Pudera: sendo uma medida de punição política ao País pelo processo contra Jair Bolsonaro, o tarifaço ganha ares de agressão à soberania nacional e chantagem contra as instituições brasileiras, o que dificulta (ou mesmo impede) que negociações comerciais venham a produzir uma solução pactuada em prazo tão exíguo.
Acertadamente, o governo Lula vem atuando em duas frentes: a diplomática, tendo à frente o sóbrio e experiente vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ladeado por representantes do Congresso Nacional, em comissão debatida e aprovada em conjunto com os presidentes Hugo Motta e Davi Alcolumbre; e a comercial propriamente dita, que estimula as forças empresariais nacionais a procurarem suas contrapartes nos EUA a fim de pressionarem as autoridades econômicas norte-americanas.
É possível que esses esforços sejam infrutíferos para alcançar um acordo que suspenda ou diminua o tarifaço? É possível, ainda mais levando em conta as peculiaridades do personagem e o emaranhado de conflitos e pressões envolvidos.
Os movimentos de Trump contra o Brasil têm a defesa de Bolsonaro como elemento aparente, porque isso dialoga com a base mais radical da extrema-direita. Além disso, influenciar a disputa eleitoral brasileira de 2026 é parte do caminho dos EUA na busca pela recuperação do controle da América Latina. Nesse sentido, fica cada vez mais nítido o objetivo estratégico de inviabilizar a articulação dos Brics e, assim, criar obstáculos ao avanço da China.
Há ainda os interesses das big techs, empresas que possuem relação umbilical com o projeto de poder de Trump, que foram contrariados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento sobre o Art. 19 do Marco Civil da Internet. Ao estabelecer regramentos para o funcionamento das plataformas digitais no Brasil, o ecossistema de poder econômico e político mais proeminente do mundo foi desafiado e deseja retaliar.
A abertura de investigação comercial pelo governo norte-americano envolvendo o Pix é feita sob encomenda das empresas de tecnologia que ambicionam o grande mercado de operações e pagamentos de nossa economia, especialmente o grupo Meta, que viu frustrado o plano de liderar esse segmento através do Whatsapp.
Como se vê, estão em jogo interesses políticos e econômicos de agora e pressões geopolíticas mirando o futuro.
Caso as sanções sejam efetivadas a partir de 1º de agosto, é certo que teremos custos econômicos importantes, tanto na indústria quanto na agropecuária. Os setores mais afetados são díspares, envolvendo exportações de alto valor agregado, como aeronaves e componentes (61,7% das exportações seguem para os EUA), ou de extrativismo, como pescados e crustáceos (60,8%) e madeira (43,3%).
Segundo o Cepea/ESALQ, os segmentos do agronegócio nacional mais expostos às tarifas são os de suco de laranja, café, pecuária de corte e frutas secas. Mas justamente aqui aparece o que pode ser um calcanhar de Aquiles para a economia dos EUA, pois as taxas vão ameaçar setores econômicos, encarecer produtos de primeira necessidade e gerar pressão inflacionária.
Por exemplo: os EUA importam 90% do suco de laranja que consomem, sendo que 80% desse total sai do Brasil; no caso do café, que eles não produzem e são o maior consumidor do mundo, 25% são de produção nossa. O abalo interno existe e tem custos, tanto é que duas importadoras de suco de laranja estadunidenses já ingressaram na Justiça contra o tarifaço. Além disso, há efeitos políticos no encarecimento de gêneros de consumo diário por uma ação do governo.
No âmbito doméstico, Lula ganha a oportunidade de recuperar espaço em setores da economia que são refratários ao governo e até mesmo que orbitam o bolsonarismo, seja porque, ao trabalhar pelo tarifaço, o clã Bolsonaro demonstrou que só tem compromisso com a própria sobrevivência, ou porque a União pode – e deve – lançar mão de instrumentos para proteger os mais afetados. Ao fazê-lo, devemos construir uma frente ampla de caráter democrático, de defesa da soberania e da economia nacional, isolando a extrema-direita lesa-pátria.
Essa aliança pode ter papel central para enfrentar as instabilidades que tendem a se agravar com o julgamento da trama golpista e a ofensiva de Trump. Também é necessário intensificar a mobilização popular, resgatando a bandeira da defesa nacional e desmascarando o falso patriotismo dos bolsonaristas.
Quanto aos problemas econômicos decorrentes do tarifaço, o Congresso Nacional já declarou e deu mostras de que atenderá com a aprovação de propostas que socorram a indústria e o agro atacados, assim como durante a pandemia patrocinou políticas como o Pronampe e a desoneração da folha de pagamentos para setores que empregam extensivamente – inclusive, neste último caso, tive a responsabilidade de ser relator da matéria.
Como medida imediata, o governo federal deve ter a radiografia de cada segmento impactado, suprir dentro do possível o mercado interno e abrir linhas de crédito subsidiadas para que as empresas possam absorver as perdas e reprogramar as rotas diante do novo cenário.
Em outra frente, Lula deve assumir o papel que sempre lhe coube tão bem: vender o Brasil e suas empresas para o mundo, buscando novos mercados para exportação e diversificando cada vez mais as parcerias comerciais.
Finalmente, parece cada dia mais nítido que nossos caminhos estratégicos se entrelaçam com o sul global, particularmente com a China. A violência crescente do imperialismo diante do declínio da hegemonia dos EUA reforça a necessidade de um mundo multipolar para a garantia da paz e do desenvolvimento, o que aumenta a relevância de articulações de países e blocos que trabalham nessa direção.
Em uma quadra histórica de tamanha complexidade, temos de reafirmar a defesa dos interesses nacionais, o que é inegociável, trabalhar para resolver os problemas de hoje, sem abdicar de projetar o amanhã pelo qual lutamos, com o Brasil soberano e um mundo multipolar.
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