RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Após sequência de altas, a queda dos preços de parte dos alimentos começa a aliviar a inflação das famílias mais pobres no país. Enquanto isso, os serviços ainda pressionam os custos da cesta de consumo dos brasileiros que pertencem a faixas de renda mais elevadas.
É o que aponta a pesquisadora Maria Andreia Parente Lameiras, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a partir de levantamento mensal do órgão sobre o tema.
“Quando a gente passar por dezembro e olhar o que foi o ano de 2025, provavelmente as famílias de renda mais alta vão estar com uma inflação maior. Vão estar sentindo mais a pressão de serviços e vão estar se beneficiando menos da desaceleração dos preços dos alimentos”, afirma.
O estudo do Ipea que mede a inflação por faixa de rendimento divide as famílias em seis grupos de acordo com os respectivos ganhos mensais. São eles: renda muito baixa, baixa, média-baixa, média, média-alta e alta.
A partir dessa divisão, o instituto calcula a variação dos preços para cada estrato, considerando os bens e serviços mais consumidos em cada um deles.
Os alimentos pesam mais no orçamento dos mais pobres, ao passo que os serviços impactam mais a cesta dos brasileiros com rendimentos mais elevados.
FAIXAS DE RENDA EM INDICADOR DE INFLAÇÃO DO IPEA
Valor mensal domiciliar
– Renda muito baixa: menor que R$ 2.202,02
– Renda baixa: entre R$ 2.202,02 e R$ 3.303,03
– Renda média-baixa: entre R$ 3.303,03 e R$ 5.505,06
– Renda média: entre R$ 5.505,06 e R$ 11.010,11
– Renda média-alta: entre R$ 11.010,11 e R$ 22.020,22
– Renda alta: maior que R$ 22.020,22
Na passagem de maio para junho, a inflação perdeu força para as três faixas da população que ganham menos, segundo o Ipea.
Foram os casos dos índices das famílias de renda considerada muito baixa (de 0,38% para 0,20%), baixa (de 0,36% para 0,21%) e média-baixa (de 0,31% para 0,23%).
“Toda aquela pressão que a gente tinha visto sobre a inflação dos mais pobres, que estava muito forte por conta dos alimentos, começa a se reverter”, diz Maria Andreia.
Com a ampliação da oferta de produtos após problemas climáticos, os preços da alimentação no domicílio mostraram queda de 0,43% em junho, após nove meses consecutivos em alta.
“Isso trouxe um alívio muito grande para as camadas de renda mais baixa”, afirma a técnica.
Entre os brasileiros da classe de rendimento médio, a inflação foi de 0,24% em junho. Assim, repetiu a taxa de maio (0,24%).
Já para a camada de renda média-alta, a inflação ganhou força, passando de 0,21% em maio para 0,27% em junho. O índice também acelerou para a faixa de rendimento alto, de 0,08% para 0,28%.
Segundo Maria Andreia, a inflação desses grupos vinha sendo segurada, em parte, pela queda dos preços das passagens aéreas, o que não aconteceu em junho. Os bilhetes de avião avançaram 0,80% no mês passado.
Além disso, os ganhos de renda da população com a recuperação do mercado de trabalho ainda dão margem para as empresas reajustarem os preços de serviços diversos, apesar do choque de juros praticado pelo BC (Banco Central), aponta a pesquisadora.
“O setor de serviços está conseguindo fazer repasses porque as pessoas estão trabalhando e estão ganhando mais. Elas continuam demandando, mesmo com os serviços caros, porque estão com dinheiro para consumir. Isso acaba retroalimentando a inflação.”
Conforme o Ipea, o grupo de renda alta registrou a maior elevação de preços no acumulado de 12 meses até junho: 5,40%. O resultado marca uma diferença em relação a maio, quando a variação dessa camada era de 5,15%, a menor da pesquisa.
No outro extremo da distribuição, o grupo de renda muito baixa registrou inflação de 5,24% no acumulado até junho. Trata-se da menor taxa da pesquisa. O índice dessa camada era de 5,34% até maio.
O Ipea utiliza as variações de preços captadas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O IPCA é o indicador oficial de inflação do Brasil.
Apesar de a alta dos preços ter ficado maior para as camadas com rendimentos mais elevados, esses grupos têm mais condições de lidar com a carestia, se comparados aos mais pobres.
TARIFAÇO DE TRUMP TRAZ INCERTEZA
Ao ser questionada se o tarifaço prometido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai provocar reflexos na inflação brasileira, Maria Andreia diz que o cenário ainda é de muitas incertezas.
A previsão de Trump é sobretaxar as exportações brasileiras em 50% a partir de 1º de agosto. Caso a medida realmente entre em vigor, forçará parte das empresas a buscar mercados alternativos, aponta a pesquisadora do Ipea.
Assim, é possível que, inicialmente, mais produtos sejam direcionados para consumo interno, aliviando os preços no Brasil, segundo Maria Andreia.
Esse cenário, contudo, tende a mudar com o passar do tempo. Produtores podem encontrar mercados substitutos ou simplesmente reduzir a produção, acrescenta a pesquisadora.
“Não teria mais uma queda de preços nesse segundo momento, e outras variáveis poderiam impactar a inflação.”
A técnica ainda afirma que o recuo das exportações tende a diminuir a entrada de dólares no Brasil. A situação poderia pressionar a taxa de câmbio e, consequentemente, os preços de alimentos e outros itens, como combustíveis e bens duráveis.