Ataque americano ao Irã mira o colapso interno, mas tem consequências imprevisíveis – CartaCapital

Os Estados Unidos têm sido competentes para bombardear infraestrutura e derrubar governos, como começou a fazer neste sábado 21 no Irã, mas coleciona fracassos quando tenta promover mudanças de regime.

O retrospecto das ações americanas no Afeganistão, na Líbia, na Síria e no Iraque mostram enorme disposição americana para destruir países e depor governos, mas pouco sucesso para erigir no lugar novas administrações, mais funcionais e democráticas que as anteriores. O retrospecto negativo faz duvidar do resultado do avanço iniciado contra o Irã.

O motivo alegado para o ataque americano deste sábado 21, em reforço à ação israelense iniciada oito dias antes, é a destruição de um programa atômico iraniano considerado hostil por americanos e israelenses. A decisão de atacar é baseada numa leitura da realidade que contradiz informações da própria inteligência americana. No dia 25 de março, portanto apenas três meses antes do início das ações contra o Irã, a diretora nacional de Informação dos EUA, Tulsi Gabbard, havia dito o seguinte ao Congresso americano: “A Comunidade de Informação avalia que o Irã não está construindo uma arma nuclear e o supremo líder [Ali] Khamenei não autorizou a retomada do programa de armas nucleares que suspendeu em 2003.”

A hipótese mais provável é que a ação tenha como objetivo não apenas a justificativa alegada de destruir o programa atômico iraniano – esteja ele em que estágio estiver –, mas também de derrubar o regime ditatorial e teocrático que governa o país desde a revolução de 1979, que substituiu uma monarquia simpática ao Ocidente por um regime hostil.

O passado recente, no entanto, indica que o resultado da ação é imprevisível. Americanos e israelenses sonham com um levante popular que, de dentro para fora, ponha fim aos regimes dos aiatolás e coloque no lugar algo mais próximo ao modelo de democracia liberal que vigora na maioria dos países do Ocidente. Tentativas semelhantes no passado recente, no entanto, mostram que o risco de tudo dar errado é muito grande.

O caso mais recente é o da Síria, onde os EUA e seus aliados europeus fizeram um consórcio militar para destituir o agora ex-presidente Bashar Al Assad. O regime sírio de fato ruiu devido a um misto de ataques militares internacionais e pressão de uma guerra civil interna que teve início em 2010 e culminou, em dezembro de 2024, com o exílio de Assad na Rússia e a ascensão ao poder do atual presidente sírio, Ahmed al-Sharaa ou Abu Mohammad al-Jolani, como também é conhecido.

Assad era parte de uma dinastia tirânica que havia implementado uma ditadura longeva na Síria, mas seu substituo talvez não seja muito melhor: al-Jolani foi criado como combatente e político dentro do Estado Islâmico, um grupo armado fundamentalista islâmico conhecido por seus atos espetaculares de terrorismo no mundo todo. Não dá para dizer que a transição tenha correspondido às promessas que embalaram por anos as ações americanas contra a Síria.

Antes disso, os EUA tinham colhido resultado ainda mais desastroso no Iraque. O país foi atacado na esteira da Guerra ao Terror iniciada após os atentados de 11 de setembro de 2001. O então presidente americano, George W. Bush, acusava o então presidente iraquiano, Saddam Hussein de ter armas de destruição em massa que seriam usadas contra os EUA. As acusações se provaram falsas. Mesmo assim serviram de justificativa para bombardear o país e levar Saddam à forca. Assim como na Síria, o que surgiu no lugar tampouco foi a democracia liberal lustrosa que havia sido prometida pela Casa Branca. Ao contrário, o Iraque segue imerso em divisões políticas sectárias, com um governo disfuncional pressionado por correntes separatistas cada vez mais fortes.

Algo semelhante ocorreu com a Líbia, onde americanos e europeus trabalharam pela queda e pelo assassinato do então presidente Muamar Kaddafi, que acabou trucidado por uma turba nas ruas de Sirte, em outubro de 2011. Da mesma forma que no Irã, na Síria e no Iraque, o governo de Kaddafi não era democrático, mas o que sucedeu à queda dele foi um Estado falido, no qual a vida para os civis se tornou completamente disfuncional e a segurança é praticamente inexiste quando comparada com o modelo prevalente na maioria dos países ocidentais – certamente naqueles que patrocinaram a mudança de regime sob a promessa de criar, no lugar, um mundo melhor.

Mas o exemplo mais desastroso foi, sem dúvida, o do Afeganistão. O país foi invadido pelos EUA em outubro de 2001, portanto, no mês seguinte aos atentados de 11 de setembro. Os americanos passaram 20 anos ocupando o Afeganistão. Quando se retiraram, em fevereiro de 2020, foi para dar lugar ao Talibã – o mesmo grupo armado fundamentalista islâmico que os EUA tinham prometido defenestrar do poder quando deram início à sua ação militar no país, em 2001.

Nenhuma dessas ações mal sucedidas garantem que o mesmo vá ocorrer agora com o Irã. O resultado dos ataques de sábado 21 é imprevisível, e pode até ser que floresça no Irã a democracia mais potente, transparente e participativa do Oriente Médio. Mas, se a história indica algo é que as promessas de mudança de regime têm sido frustradas por uma realidade que teima contradizer a Casa Branca.

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