Redes sociais e imprensa têm sido palco, desde o início do mês, de acusações envolvendo uma das principais marcas de chocolates do país, a Cacau Show. Com quase 5 mil lojas em todo o país e faturamento de mais de R$ 6 bilhões por ano, a empresa atravessa a turbulência no momento em que amplia sua atuação em outro ramo, o turismo: dona de um resort, ela agora investe R$ 2 bilhões em um parque temático no interior de São Paulo.
A Cacau Show está sendo acusada por franqueados e ex-funcionários de oferecer condições precárias de trabalho, assédio, cobrança de taxas que não estavam em contrato, entre outras queixas. O Ministério Público do Trabalho de São Paulo abriu um inquérito para investigar as alegações, mas, até o momento, não há processo judicial aberto.
Após as acusações, que foram primeiramente divulgadas pelo portal Metrópoles, a Cacau Show publicou uma nota em suas redes sociais na qual nega as denúncias. A empresa se disse surpreendida pelas publicações que circularam na internet, que classifica de inverídicas.
“São ataques injustos à nossa história, aos nossos valores e, principalmente, às milhares de pessoas que constroem essa marca com integridade e amor. Temos uma trajetória de mais de 37 anos construída com trabalho sério, respeito, verdade e coragem”, afirma a nota.
A Associação União de Franqueados, que representa donos de lojas da Cacau Show, apresentou as denúncias ao MPT em 16 de maio. Foram coletados depoimentos de funcionários e ex-funcionários da indústria da Cacau Show e do resort Bendito Cacao, em Campos do Jordão, no interior de São Paulo. A procuradora Patrícia Mauad Patruni Isotton está a cargo da investigação.
A Cacau Show é uma empresa familiar, fundada em 26 de março de 1988. No início, funcionava com modelo de venda por catálogo e passou a adotar o modelo de franquias em 2001. De acordo com a empresa, atualmente são mais de 4,8 mil lojas espalhadas por todos os estados brasileiros e mais de 22 mil pessoas envolvidas, com um faturamento de R$ 6,3 bilhões em 2024, quando foram produzidas mais de 33 mil toneladas de produtos.
Cobrança extra e repasse de custos geram conflito com franqueados
Algumas das principais denúncias estão relacionadas à cobrança de taxas extras, não acordadas previamente no contrato dos franqueados. Náira Alvim Passionoto, diretora da Associação União dos Franqueados e ex-dona de uma loja da franquia, disse que ficou um ano sem receber produtos por não ter pago a “taxa do cacau”.
A taxa do cacau — o nome foi dado pelos próprios franqueados — passou a ser cobrada em 2024, ano em que o produto atingiu preços recordes no mercado internacional.
Conforme as denúncias, a Cacau Show teria justificado a cobrança extra afirmando que o aumento no valor internacional do produto não havia sido repassado ao consumidor. Os franqueados alegam que tiveram que pagar o reajuste, inclusive para estoques que possuíam antes da crise.
A Cacau Show nega que exista uma “taxa do cacau” e afirma que houve a cobrança referente ao aumento dos preços do cacau no mercado internacional. Em nota, a empresa afirmou que foi uma decisão de mercado da indústria: “O aumento de preços era indispensável diante do aumento do valor da tonelada do cacau”.
Taxa de mídia e uso de imagem do CEO são questionados
Outra queixa dos franqueados refere-se à taxa de mídia, cobrada para fins de publicidade. As alegações são de que não há prestação de contas do uso dos recursos nem esclarecimentos sobre como a taxa é calculada.
Outro ponto abordado pelos franqueados é que, muitas vezes, o garoto-propaganda é o criador da marca, Alexandre Tadeu da Costa, fundador e CEO da Cacau Show, também conhecido como Alê Costa.
A empresa afirmou que o valor referente à taxa de mídia é fixo e proporcional ao resultado da loja obtido no ano anterior — o que está previsto em contrato. Além disso, alguns produtos teriam a taxa incluída já no preço final. A empresa ainda disse que os valores são repassados “frequentemente para a agência de publicidade gestora desses valores”.
Além de taxas: ambiente de trabalho também é alvo de denúncias
Além das acusações referentes às taxas, ex-funcionários da fábrica da Cacau Show e do resort da marca – Bendito Cacao, em Campos do Jordão, no interior de São Paulo – também apresentaram denúncias. As acusações apontam para condições precárias de trabalho, assédio, homofobia, jornadas exaustivas e pressão para participação em rituais.
A empresa também negou as denúncias. “Promovemos um ambiente de trabalho ético, inclusivo e que valoriza a diversidade”, afirmou em nota nas suas redes sociais.
O perfil “Doce Amargura”, criado nas redes sociais para expor queixas e denúncias de franqueados sobre a empresa, trouxe relatos de perseguição dentro da companhia após reclamações ou queixas sobre o valor dos produtos. Franqueados alegaram ter recebido estoques com prazo de validade próximo da data de expiração, com menos de 30 dias de validade, e com produtos encalhados e de pouca saída.
Segundo as denúncias, as supostas retaliações chegariam a inviabilizar o funcionamento das franquias. Em outros casos, há acusações de retirada de crédito dos franqueados, que teriam que fazer os investimentos à vista para adquirir os produtos e repor os estoques em suas lojas.
Franqueados acusam consultores de comportamento abusivo
Também houve acusações em relação aos consultores da marca, por comportamento abusivo. Um lojista do Rio Grande do Sul, que teria perdido os produtos nas enchentes do ano passado, alega que o consultor lamentou pelas perdas, mas que não seria possível parcelar os valores devidos em razão das regras da franquia.
De sua parte, a Cacau Show afirmou que não mede esforços para ouvir e resolver qualquer ponto relatado por seus franqueados, colaboradores, parceiros e consumidores. A empresa afirma que possui um canal de ouvidoria, gerido por uma empresa independente, que garante anonimato e imparcialidade.
“As denúncias são rigorosamente apuradas e resultam em medidas cabíveis sempre que necessário. Reforçamos nosso compromisso de continuar investigando todos os casos com seriedade, para assegurar um ambiente ético, respeitoso e transparente”, afirmou a companhia.
Cacau Show mira turismo e experiência de marca
As acusações e a investigação pelo Ministério Público chegam em um momento no qual a Cacau Show está expandindo seus negócios, visando o setor do turismo. A marca está construindo um parque temático no interior de São Paulo, o Cacau Park, com investimentos estimados em R$ 2 bilhões.
“Um espaço pioneiro que representa o futuro da nossa marca e será um orgulho para todos os brasileiros”, afirma Alê Costa, o CEO da companhia.
Apesar do tamanho inédito do empreendimento, essa não é a primeira iniciativa da companhia nesse sentido. No ano passado, a Cacau Show também investiu nos centros de jogos eletrônicos do antigo Playcenter, na cidade de São Paulo. A megastore localizada na fábrica em Itapevi, no estado de São Paulo, já tem um parque de diversões.
Sobre o Cacau Park, a empresa afirma que seguirá regularmente com o cronograma de implementação. “Será um dos equipamentos turísticos com maior impacto na América Latina, contando a história do chocolate e inspirando as pessoas com experiências educativas e culturais”, afirmou em nota.