Membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a poluição do Rio Melchior realizaram, nesta quinta-feira (5), uma visita técnica à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Melchior, em Samambaia, no Distrito Federal. A estação, que é administrada pela Companhia Ambiental de Saneamento do DF (Caesb), é um dos empreendimentos que despeja efluentes diretamente no rio. Na visita, um dos dados apresentados pela Companhia gerou preocupação: enquanto a vazão média aproximada do Melchior é de 750 litros/segundo, o volume de efluentes tratados despejados pela ETE é de aproximadamente 1400 litros/segundo – ou seja, quase o dobro de seu volume natural.
Segundo o engenheiro ambiental e gerente de Transição Energética do Instituto Arayara, John Wurdig, o elevado volume de poluentes lançado no Melchior compromete a capacidade natural do rio de se regenerar – conhecida como autodepuração. Esse processo envolve mecanismos biológicos, físicos e químicos responsáveis pela degradação da matéria orgânica, mas exige uma quantidade significativa de oxigênio dissolvido. Com o excesso de carga poluente, a concentração de oxigênio na água diminui drasticamente, dificultando a autodepuração. “Um rio que recebe uma carga muito grande de poluentes pode se tornar um rio morto. E é basicamente isso que está acontecendo com o Melchior”, explicou Wurdig ao Brasil de Fato DF.
Além dos efluentes da ETE Melchior, o rio também recebe dejetos do Aterro Sanitário de Brasília, que despeja cerca de 2 mil metros cúbicos de chorume tratado no corpo d’água por dia, e de um abatedouro de aves da Seara. “A vazão ecológica do rio já atingiu um ponto de saturação muito grande, por causa de toda essa carga poluidora que recebe”, apontou o engenheiro ambiental.
A presidente da CPI, deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania), também demonstrou preocupação com a questão. “Uma coisa que me preocupou muito é a questão do adensamento nessa região. O volume do rio é muito pequeno. O parâmetro do que é despejado aqui como efluente é comparável ao que é jogado no Corumbá. Há uma desproporcionalidade muito grande”, afirmou Além de Belmonte, participaram da visita o vice-presidente da Comissão, deputado Joaquim Roriz Neto (PL), e o membro titular deputado Rogério Morro da Cruz (PRD).

Outro ponto levantado durante a visita diz respeito à tecnologia de tratamento utilizada pela ETE Melchior. Belmonte e pesquisadores que acompanharam a inspeção questionaram a eficácia do sistema “Unitank”, método adotado pela Caesb para o tratamento dos efluentes. O processo utiliza microrganismos para degradar a matéria orgânica e remover nitrogênio e outros poluentes, em um reator biológico aerado.
No entanto, foi levantada a hipótese de que outras tecnologias, como a osmose reversa – processo que emprega uma membrana semipermeável para filtrar sais, impurezas e contaminantes –, poderiam ser mais eficazes, especialmente em uma região com alto grau de degradação ambiental. Em resposta, os técnicos da Caesb afirmaram que o Unitank é o método mais adequado à realidade local, está de acordo com as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e segue parâmetros internacionais de qualidade.
Durante a visita, a Caesb afirmou que nos últimos anos tem realizado investimentos em melhorias na qualidade do esgoto tratado e em projetos para ampliar a eficiência da estação, considerada essencial para a recuperação do rio e a segurança hídrica da região. Segundo a Companhia, o DF já conta com 100% do esgoto coletado sendo tratado, e a ETE Melchior responde por cerca de 1.400 litros por segundo desse volume, operando próxima à capacidade de projeto (1.469 L/s).
No entanto, os deputados Morro da Cruz e Belmonte contestaram a afirmação de que toda a população do DF tem acesso à água tratada. De acordo com um levantamento do projeto Vida e Água para ARIS, da Universidade de Brasília (UnB), cerca de 200 mil pessoas que vivem em Áreas de Regularização de Interesse Social (ARIS) ainda não têm acesso à água potável. Diante do questionamento, a Caesb esclareceu que o índice de cobertura citado se refere apenas às áreas urbanas já regularizadas.
Já Roriz Neto (PL), vice-presidente da CPI, considerou a visita satisfatória e fez uma avaliação positiva da atuação do atual governo distrital, sob comando de Ibaneis Rocha (MDB), no tratamento de esgoto, enquanto lançou dúvidas sobre a responsabilidade de administrações anteriores pela degradação do Rio Melchior.
“O mais importante da visita é escutar os profissionais, ver os investimentos que estão sendo feitos aqui e os planejamentos futuros para melhorar ainda mais a qualidade do tratamento do esgoto. O que a gente presenciou é que temos uma qualidade de tratamento alta. Mas a pergunta que a gente deveria estar fazendo é: quando o rio entrou em risco? Qual governo pegou esse rio quando ele ainda não era de categoria de risco e fez ele virar categoria 4?”, questionou o deputado.

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) que acompanharam a visita coletaram amostras da água em diversos estágios de tratamento na ETE para análise. Os resultados serão enviados à CPI, que tem nova reunião agendada para a próxima quinta-feira (12).
A presidenta da CPI também informou que a comitiva fará uma visita ao abatedouro que despeja efluentes no rio para avaliar o manejo de resíduos e acrescentou que incluirá a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) no circuito de inspeções. Responsável pela fiscalização da qualidade do rio, a Adasa tem sido alvo de críticas pela falta de transparência na divulgação dos dados de monitoramento do Melchior e pelos critérios adotados para avaliar a qualidade da água no DF.
“Esse rio deveria ser tratado como um paciente na UTI, com monitoramento constante. Hoje esse monitoramento é feito pela Adasa, mas ela não entrega esses parâmetros pra gente”, afirmou o doutor e pesquisador do Departamento de Ecologia da UnB José Francisco Gonçalves Júnior, na última reunião da CPI, realizada na CLDF no dia 30 de maio. Para ele, os indicadores da agência são insuficientes e deixam de abordar parâmetros essenciais, como o nível de carbono presente nos corpos hídricos. “É uma forma de mascarar a real situação dos nossos rios”, avaliou.