O cheiro de bolo quente atravessa a Rua Pedro Gama, na Federação como lembrança da infância, um convite irresistível ao afeto. No ponto alto de Salvador, no vai e vem apressado do cotidiano, uma portinha simples se transforma em abrigo de sabores e sonhos. Ali dentro, com as mãos cobertas de farinha e o olhar sereno de quem conhece a luta, está Eleni Santos da Silva, 40 anos, empreendedora, mulher de uma história que fermentou com o tempo e cresceu.

Eu comecei trabalhando em uma loja vendendo roupa. Foram quase vinte anos nisso. Mas um dia eu percebi… não era ali que meu coração batia mais forte. Aí comecei a fazer bolo em casa. A primeira receita? Nem me lembro. Só sei que errei, fiz de novo, errei de novo… e fui acertando. Na raça”. Ela nasceu em Nova Canaã, cidade com pouco mais de 13 mil habitantes no médio sudoeste baiano. Na cozinha modesta do interior, a comida sempre foi presença, mas nunca imaginou que seria caminho. Chegou a Salvador há 17 anos, com sonhos grandes e recursos pequenos. A cidade era nova, imensa, desafiadora — mas ela veio com coragem. Há um ano ela montou o próprio ponto dela e empreendeu.

Eu não tinha certeza de nada, só sabia que precisava tentar. Empreender é isso: você vai com medo mesmo. Vai com dúvida, mas vai.” O início da vida como boleira foi um improviso constante. Bolo no porta-malas, trufas no isopor, refrigerante na garrafinha. Ela mesma dirigia o carro, rodava os bairros, oferecia nas farmácias, nos salões, nas ruas. “Era no sol, era na chuva. Botava tudo no carro, organizava no isopor e saía vendendo. Eu dizia: ‘Hoje vai’. E às vezes não ia não, viu? Mas no outro dia, estava lá de novo. A luta é diária.”

Um dia, surgiu a chance de abrir um ponto fixo no bairro. A fachada é simples, mas quem entra sente logo: ali dentro mora uma história feita com afeto. Hoje, Eleni vende bolo de aipim, carimã, fubá, formigueiro, maracujá, chocolate. Tem palha italiana, licor caseiro para o São João, brigadeiros que parecem abraço. E quem conhece o negócio de Eleni sente esse impacto de perto. Manoel Barreto Amorim, freguês de carteirinha, resume bem: “Todo dia eu passo aqui. Já virei cliente fixo. O bolo de maracujá dela é coisa de outro mundo. E o mais bonito é ver uma mulher batalhadora crescendo, gerando renda, fazendo com capricho. Isso aqui tem alma.”

Aqui é tudo feito com amor. Quando eu tô triste, venho pra cá. Quando tô feliz, venho também. Fazer bolo virou minha terapia. Eu misturo a massa e parece que misturo também minhas ideias, minhas emoções.” A produção é intensa. São mais de 30 bolos por dia — às vezes mais. Eleni perdeu a conta. “Nem sei quantos eu faço mais. Só sei que começa cedo e quando eu vejo, já anoiteceu. Mas sabe o que é? Quando o cliente volta e diz ‘que bolo gostoso, me lembrou minha avó’, aí meu coração se enche. É isso que vale.

Ela não está mais sozinha. Já conseguiu gerar o primeiro emprego, com ajuda durante a semana. E sonha alto: “Quero crescer, contratar mais gente, ajudar outras mulheres como eu. Porque a gente pode, sabe? Só precisa de uma chance, de um empurrãozinho.” Eleni é Microempreendedora Individual (MEI) e fez questão de formalizar o negócio assim que pôde. “Fui atrás de fazer tudo certinho, porque levo meu negócio a sério. O Sebrae é uma oportunidade. Quero entender mais, sei que ainda posso aprender muito”, conta. Foi nesse caminho de amadurecimento como empreendedora que ela conheceu o Sebrae Delas — um programa que, assim como ela, acredita na força das mulheres para transformar realidades.

Voltado exclusivamente para negócios liderados por mulheres, o programa oferece capacitações, mentorias, workshops e até premiações, sempre com foco no fortalecimento da autonomia e da liderança feminina. Segundo Rosângela Gonçalves, gestora estadual do Sebrae Plural, “Acreditamos que, por meio do empreendedorismo, muitas mulheres conseguem romper ciclos de violência e conquistar sua autonomia”, afirma. Além de oferecer suporte prático, o programa também atua como ferramenta de combate ao preconceito de gênero, promovendo ações que fortalecem a autoestima, a liderança e a inserção das mulheres no mercado de trabalho.

Eleni trabalha de segunda a sábado, das oito da manhã às oito da noite. Aos domingos, descansa — mas muitas vezes sonha novas receitas. “Eu quero deixar um legado. Mostrar que a mulher da periferia e do interior, pode sim ter o próprio negócio. Pode sim vencer. Basta acreditar — e trabalhar. Muito.”

No forno de Eleni, assa-se mais do que bolos. Assa sonhos. As massas crescem devagar, mas firmes. Com coragem no olhar e raízes firmes no chão, ela saiu do interior em busca do próprio caminho. Levou consigo a força da terra, o sabor da esperança e o desejo de transformar sonhos em realidade. Cada passo na cidade grande é uma conquista, um ato de resistência e amor. Ela carrega na alma a história de quem nunca desistiu, mesmo diante das dificuldades. Mulher do campo, mulher de luta, mulher que floresce onde plantar coragem. Como a flor do cerrado que resiste à seca, ela brota em terra estranha e colore o mundo com sua força.

Reportagem produzida e escrita pelo Jornalista Gabriel Filliph, do Alô Juca.



Fonte: AloJuca

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